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Na mira do revolver

CB, Brasil, p.10
21 de Mar de 2005

Na mira do revólver
Pastoral da Terra tem a relação das 174 pessoas marcadas para morrer pelo sindicato do crime em função da luta pela posse da terra. As ameaças continuam no Pará, mesmo com a presença dos militares na região
Ullisses Campbell
Da equipe do Correio
Quando alguém bate na porta da casa da sindicalista Maria Joel Dias, 42 anos, suas pernas tremem de medo. Ao ouvir um ronco do motor de carro ou de motocicleta, o coração de Antônio Gomes, 47, dispara. As mesmas sensações tem o padre Amaro Lopes, 38, todas as vezes que o telefone dele toca no meio da madrugada. Maria, Antônio e Amaro fazem parte de uma lista de 174 nomes de pessoas que estão marcadas para morrer por causa da luta pela posse da terra no campo, principalmente no Pará. E quem pensa que as ameaças pararam depois que a missionária Dorothy Stang morreu, está enganado. O sindicato do crime que defende interesses de fazendeiros continua ativo.
Quem administra e monitora a lista dos marcados para morrer é a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dos 174 eleitos, 50 atuam no Pará combatendo o latifúndio e defendendo a reforma agrária. É lá também que as ameaças são mais freqüentes e descaradas. Na semana passada, o padre que atuava junto com Dorothy recebeu uma ameaça de morte. Antes de rezar uma missa, recebi um bilhete que dizia: A sua companheira já calou a boca, quando você vai calar a sua?. Mas isso não me intimida”, ressalta padre Amaro, da Paróquia de Santa Luzia, no município de Anapu. Desde que a missionária morreu, Amaro recebe uma ameaça por telefone a cada semana. E olha que o Exército e a Polícia Federal ainda estão na região”, diz o religioso.
Ciente do perigo que o padre corre, o governo do Pará ofereceu segurança a Amaro. Mas ele recusou. A segurança seria dois policiais militares que andariam 24 horas ao meu lado. Agradeci a oferta e recusei, pois aqui no Pará a Polícia Militar, no interior, recebe oferta para executar sindicalistas”, acusa. O padre continua a andar sozinho pelas ruas de Anapu, mas assume que está apreensivo. Se eu disser que não tenho medo, estarei mentindo”, diz. Mas não vou abandonar essa luta por nada”.
De acordo com as estatísticas da CPT, 20 lideranças sindicais e religiosas morreram defendendo a reforma agrária no Pará nos últimos 30 anos. Apenas seis pistoleiros e mandantes foram julgados e condenados nesse período. A Justiça paraense procura neste momento 27 pistoleiros que tem prisão preventiva decretada, mas estão foragidos. A história tem mostrado que pistolagem no Pará prospera”, diz o coordenador nacional do CPT, João Batista Gonçalves. Antes, quando acontecia um crime como o que matou a irmã Dorothy, as ameaças davam um tempo e recomeçavam dois ou três anos depois.” Ele relata que dessa vez, as ameaças retornaram na semana seguinte.
Mulheres na mira
Vinte por cento das pessoas marcadas para morrer em todo o país são mulheres. Como a maranhense Maria do Espírito Santo, 46 anos, coordenadora da Associação de Pequenos Agricultores em Nova Ipixuna, no sudeste do Pará. Outra mulher é Maria Joel, uma das sindicalistas mais atuantes no Sul do Pará. Ela coordena mais de 400 famílias. Dez dias atrás, recebeu mais uma ameaça de morte pelo telefone. Uma pessoa ligou em casa, não se identificou e disse que fui sorteada”, relata. Ironizou, perguntando se eu tenho seguro de vida e avisou que estou com os dias contados”. Poucos dias depois que Dorothy morreu, Maria Joel recebeu também bilhete dizendo que sua cabeça vale R$ 50 mil. Não tenho tranqüilidade, apesar de ter proteção policial”, conta. À noite, acordo sobressaltada.”
A sindicalista tem motivos de sobra para ter medo. Em 2000, perdeu o marido, José Dutra da Costa. Foi assassinado na porta de casa por pistoleiros. E, antes da execução, também recebia ameaças. Para não deixar que a luta acabasse com a morte do marido, Maria Joel assumiu a presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará. Meu marido não morreu de graça. Algo de bom tem de acontecer. Continuo na luta”, avisa.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá, Antônio Gomes, 45 anos, também figura na lista dos marcados para morrer. Ele comanda invasões de terras e tem sob seu comando nada menos que 1,5 mil famílias. Ele busca nos cartórios da região as terras do governo griladas por fazendeiros. O trabalho consiste em organizar acampamentos nas proximidades e efetivar as invasões. No Brasil, só se faz reforma agrária se for desse jeito”, avalia. O governo do Pará ofereceu segurança, mas, assim como padre Amaro, Gomes também tem medo da Polícia Militar.
O trabalho de Antônio faz com que sua vida tenha um preço. Aqui os pistoleiros usam moto. Quando ouço um ruído de motor, entro em pânico. Se vale a pena essa luta? Vale. Nada é mais importante do que a luta pela distribuição de terra mais justa no campo. Nem a minha vida”.

O NÚMERO
27 É o número de pistoleiros que já tiveram a prisão preventiva decretada, mas estão foragidos

Governo diz que vai proteger
Não é qualquer um que entra na lista dos marcados para morrer. Para ser alvo de pistoleiros, é preciso ferir interesses de fazendeiros latifundiários. No Pará, os alvos são sindicalistas que organizam invasões de terras e religiosos que atuam dando apoio aos movimentos sociais que defendem a reforma agrária. Os mandantes contratam, geralmente, um pistoleiro de fora do estado.
Para amenizar os crimes no campo e dar maior proteção aos ameaçados, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos vai implantar o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. O programa será semelhante ao que dá proteção a testemunhas.
Depois do Pará, o estado que mais tem pessoas marcadas para morrer é Minas Gerais. Os fiscais do Ministério do Trabalho, Ailton Pereira de Oliveira, Eratóstenes de Almeida Gonçalves e João Batista Soares Lages, que morreram no município de Unaí, em janeiro do ano passado, estavam na lista da CPT. Ele foram executados por pistoleiros ao denunciar trabalho escravo em fazendas.
Outro estado que figura entre os que mais tem pessoas marcadas para morrer é o Piauí. Na semana passada, a Polícia Federal anunciou que vai investigar as ameaças de morte feitas a funcionários do Museu do Homem Americano e do Parque Nacional da Serra da Capivara, que são patrimônios culturais da humanidade. A ambientalista francesa Niéde Guidon, que atua no sul do estado, foi recentemente jurada de morte por contrariar interesses de fazendeiros que exploram irregularmente a Serra da Capivara.
O parque tem formações rochosas de milhões de anos e a maior concentração de sítios arqueológicos do mundo. Mas o lugar, que deveria ser preservado, vem sendo usado como acampamento. Os invasores plantam e caçam em áreas de preservação ambiental. O Incra sinalizou que vai assentar cerca de mil famílias e regularizar a posse de cem lotes de terra na região, que beneficiará comerciantes, empresários e funcionários públicos.(UC)

OESP, 21/03/2005, p. 10

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