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Na essência do guaraná

Correio Braziliense-Brasília-DF
Autor: Juliana Cézar Nunes
17 de Out de 2002

Pesquisadores de dez centros de pesquisa da região Norte começam mapeamento do DNA de uma das espécies mais importantes da Amazônia. A intenção é descobrir o gene responsável pela proteção contra pragas e doenças. Estudos vão aumentar a produção de guaraná, que movimenta R$ 100 milhões por ano, no Brasil

Os descobridores foram os índios. Enquanto exploravam as margens de rios, no Baixo Amazonas e Alto Rio Negro, encontraram uma planta cujos frutos lembravam olhos. Deram a ela o apelido de guaraná. Os lingüistas se encarregaram de traduzir o nome indígena para o português. Trata-se de ''bebida dos senhores''. Não é a toa que ela saiu da floresta direto para as garrafas de refrigerantes e frascos de suplementos energéticos. Mas a aventura não parou por aí. O próximo destino é o laboratório, sob o olhar atento dos biólogos de dez centros de pesquisas da região Norte, unidos em um consórcio chamado Rede Amazônia Legal de Pesquisas Genômicas (Realgene).
Esta semana, eles começam a trabalhar no mapeamento genético de uma das espécies mais importantes de guaraná: o guaranazeiro Paullinia cupana. O projeto é a nova aposta do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e governos estaduais. Eles investirão U$S 3 milhões na pesquisa, pelos próximos três anos. Tudo para garantir o aumento de uma produção que já movimenta R$ 100 milhões por ano, no Brasil. O país é praticamente o único produtor de guaraná do mundo - cinco mil toneladas por ano. E tem potencial para muito mais. Basta encontrar maneiras de deter as pragas que devastam essas plantações.
Esse, aliás, é o principal objetivo dos cientistas da Realgene. Eles querem identificar no DNA do guaraná - parte da célula que guarda as principais informações para o funcionamento de um ser vivo - genes responsáveis pela proteção contra a pragas como a atraquinose. Há dez anos, o fungo causador da doença reduziu a zero as plantações de guaraná em Maués (AM). ''Se estimularmos o gene que produz as proteínas responsáveis pela resistência da planta, daremos importante passo rumo à preservação das colheitas'', explica o biólogo Spartaco Astolfi, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e um dos principais coordenadores da Realgene. ''É difícil prever quando chegaremos a esse tipo de tecnologia. Mas, com a troca de conhecimentos entre centros de pesquisa públicos e privados, certamente avançaremos mais rápido.''
Estrutura montada
O mapeamento genético do guaraná é um desafio com grandes chances de sucesso. Além de novos equipamentos e cursos de formação de recursos humanos, os cientistas da região Norte vão contar com uma estrutura nacional que começou a ser montada há quase três anos. Até 2000, São Paulo era uma ilha de conhecimento sobre genética. Tinha no currículo pesquisas importantes como o da bactéria Xylella fastidiosa - causadora da praga do amarelinho em frutas cítricas e responsável por prejuízos de US$ 100 milhões por ano na agricultura. O estado mais rico do país também se destacava pelo seqüenciamento do Genoma do Câncer. Financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), eles começaram a analisar os genes ligados aos principais tumores brasileiros. Com isso, o país se tornou o segundo maior banco de informações sobre o câncer, depois dos Estados Unidos.
Na tentativa de transferir o sucesso paulista para outros estados, o MCT criou o projeto Genoma Brasileiro. Equipou 25 laboratórios de todo o Brasil, inclusive da região Norte, para seqüenciar o genoma da Chromobacterium violaceum. A missão foi cumprida em dezembro de 2001, com a participação de 200 pesquisadores. Além de combater doenças como Chagas e Leishmaniose, a bactéria pode ajudar no desenvolvimento de bioplásticos e na redução dos impactos ambientais nas áreas de garimpo.
Entusiasmado com os bons resultados do projeto, o governo federal passou a investir em outras pesquisas. A mesma rede que seqüenciou a Chromobacterium violaceum começou, há 20 dias, a trabalhar com um organismo chamado Mycoplasma synoviae. ''Ele causa enormes prejuízos na produção de frangos no Brasil e precisa ser combatido com urgência para não atrapalhar nossas exportações'', defende Ana Lúcia Assad, coordenadora da área de biotecnologia do MCT. Segundo ela, para decifrar esse Mycoplasma em seis meses, serão gastos R$ 1 milhão. Simultaneamente, o governo investiu no seqüenciamento genético do eucalipto e da banana. Na lista de projetos para os próximos meses estão: o camu-camu (fruta que mais retém vitamina C), o arroz e o boi.
Alta do dólar afeta pesquisas
Além de incentivar as redes nacionais de pesquisa do genoma, o governo federal também apóia o mapeamento de DNA em laboratórios regionais. Essas redes tem por objetivo estudar as pragas e doenças que mais incomodam os estados de uma mesma região. No Centro-Oeste, o escolhido foi um fungos causador de micose - doença de pele que ataca mais de 10 milhões de pessoas na América Latina. Investiu-se R$ 1,5 milhão no projeto.
Até agora, foram identificados 25% dos genes do fungo. Entre eles, o que pode ser a chave para diminuir a resistência desse organismo aos remédios. ''Apresentamos o resultado do trabalho a uma importante revista especializada chamada Yeast e esperamos que, nos próximos meses, ele seja publicado'', revela Maria Sueli Felipe Soares, pesquisadora da Universidade de Brasília.
Os cientistas têm muito a comemorar. Mas, para alcançar as metas dos projetos, passaram por alguns apertos. A maior parte provocados pelo aumento do dólar (que lançou às alturas o preço dos equipamentos e materiais) e o achatamento das verbas da maioria dos ministérios, inclusive o de Ciência e Tecnologia. A soma dos dois problemas prejudicou várias redes regionais de pesquisa. Em especial a de Minas Gerais, encarregada de estudar o parasita causador da esquistossomose. ''Progredimos pouco porque só agora o material está chegando'', reclama Rodrigo Oliveira, biólogo e coordenador da rede mineira. ''Mesmo assim, capacitamos profissionais e montamos o sistema de bioinformática.''
Plantações sadias
Os pesquisadores da rede do Paraná também sofreram com o atraso no repasse de verbas. Mesmo assim, avançaram no estudo de uma bactéria que ajuda a acumular o nitrogênio nas plantas, dispensando o uso de fertilizantes. Dos 7 mil genes da Herbaspirillum seropedicae, 3 mil foram identificados. Entre eles, os responsáveis pela produção de plásticos biodegradáveis e fixação da bactéria nas plantações. ''Se o gene da fixação for estimulado na bactéria que infecta o milho, teremos uma economia de U$S 4 milhões por ano - total gasto com fertilizantes'', calcula Fábio Pedrosa, coordenador da rede paranaense.
No Sul, sete centros de pesquisa do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul uniram-se para estudar o Micoplasma hyopneumoniae. Cerca de 90% dos 700 genes já foram mapeados desde maio deste ano. Agora, os cientistas querem identificar os genes produtores das proteínas que deixam o animal doente. Segundo um dos coordenadores do projeto, Antônio Zarra, a identificação permitirá a produção de vacina contra a bactéria, responsável por um prejuízo de U$S 200 milhões por ano para os criadores.
Doenças em xeque
Os cientistas estimam que, em dez anos, terá início a comercialização de produtos capazes de bloquear ou estimular a ação dos genes. Superando as expectativas, alguns centros de pesquisa das redes regionais estão próximos alcançar esse objetivo bem antes do previsto. É o caso da rede formada pelo Instituto de Biologia Molecular do Paraná, Universidade de Mogi das Cruzes (SP) e Universidade Estadual de Londrina (PR). Eles estudam o Trypanossoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas, caracterizada pela inflamação dos músculos do coração.
No Nordeste, a rede regional ajudará no tratamento da leishmaniose - doença causada por protozoários que atinge homens, gatos e cachorros. Já foram identificados mil genes do parasita responsável pela doença, que atinge 500 mil pessoas por ano. Dessas, 10% morrem. Entre os genes mapeados, um em especial chamou a atenção dos cientistas. Ele permite que a célula do parasita seja destruída com uma espécie de injeção de sal. ''Essa é uma porta que o parasita abre para ser combatido'', explica Paulo Andrade, coordenador do estudo e biólogo da Universidade Federal de Pernambuco.

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