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Na agricultura, o copo esta meio vazio

GM, Opiniao, p.A2
11 de Out de 2005

Na agricultura, o copo está meio vazio
Os produtores de soja de Mato Grosso, estado com a maior safra do produto no País, trocaram áreas de cultivo do grão pelo plantio de eucaliptos, que vão fornecer lenha para aquecimento dos silos. A superfície destinada ao reflorestamento não é pequena, atingindo 103 mil hectares. O presidente da Associação de Reflorestadores de Mato Grosso, Haroldo Klein, explicou a decisão como uma "oportunidade de negócio" incentivada pela grande necessidade de madeira para secagem do grão no estado.
Este é o ângulo otimista, empreendedor, da questão. Há outro. A baixa rentabilidade da soja na região e a proibição do desmatamento influenciaram a decisão dos produtores da commodity agrícola líder da pauta de exportação. Neste ano, só em Mato Grosso, a área de soja deve perder 1 milhão de hectares de cultivo. Fábio Meneghin, analista da consultoria especializada Agroconsult, justificou o encolhimento da produção: em Mato Grosso, considerando os custos da produção nesta safra de soja e os preços médios previstos para a próxima, a rentabilidade do grão será negativa em 5%.
Esse quadro sustenta a decisão de plantar floresta e não soja. Um hectare de eucaliptos rende o equivalente a 26 sacas de soja, enquanto a renda obtida com o grão na mesma superfície não ultrapassa 10 sacas. Conforme a legislação ambiental, quem usa lenha precisa ter o equivalente do consumo em árvores plantadas e deve pagar por isso. Portanto, o produtor de lenha recebe adiantado e sem risco. Sem contar outros lucros embutidos, porque há também a venda externa do resgate do carbono, nos termos do Protocolo de Quioto.
Porém, lenha não é produto de exportação como soja. Com a autoridade de quem é reconhecidamente o maior produtor privado de soja do mundo, o governador Blairo Maggi, de Mato Grosso, apresentou em agosto cenário pessimista para o futuro do produto. Para o governador, a redução no plantio do grão ficará entre 20% e 27% no estado e, em média, 20% no País. A Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA) concorda: depois de nove anos de crescimento, a superfície plantada de soja no Brasil deve cair 2 milhões de hectares.
Falta de crédito e custo do dinheiro para produzir são os primeiros motivos para a queda. Em 2003, o preço da tonelada de soja alcançou US$ 340. Neste ano, com a safra recorde dos EUA - 80 milhões de toneladas -, o preço ronda os US$ 260. A venda de fertilizantes, por essa razão, foi 21% menor no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2004, e a de máquinas agrícolas 36% menor, na mesma comparação.
Sem esquecer que a dramática falta de investimento em infra-estrutura gera brutal diferença de custos de produção para a soja brasileira. Estudo da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), divulgado em agosto, mostrou que transportar a atual safra de soja da fazenda ao porto custa ao produtor nacional US$ 37 por tonelada - custava US$ 28 em 2003, quando o preço internacional do produto era 30% maior. Como comparação, a soja da fazenda ao porto, neste ano, custa US$ 14 por tonelada nos EUA, principalmente devido ao transporte hídrico.
Em 2004, os EUA exportaram 8 milhões de toneladas de soja para a China e o Brasil, 4,1 milhões. Neste ano, com o câmbio desfavorável como está, essa relação deve se alterar em prejuízo do produtor brasileiro.
O drama da soja não é caso isolado na agricultura brasileira. O ministro Roberto Rodrigues o descreveu, em detalhes, especialmente o do câmbio, em entrevista concedida a este jornal na semana passada. Porém, ainda não era notícia a troca de área plantada de soja por eucalipto.
É possível ver na decisão uma saudável diversificação produtiva, sempre promissora. Afinal, também se está criando insumo que deve gerar redução de custo no preço final do produto. Copos com água pela metade distinguem visões de mundo, otimistas ou não. Nesse caso, quando está em jogo a presença do País no comércio internacional, é difícil evitar a perspectiva de que na agricultura brasileira, se lenha ocupa a área cultivável da soja, o copo está meio vazio.
kicker: Baixa rentabilidade da soja em Mato Grosso causa troca de cultivo do grão por eucalipto, que rende, por hectare, quase duas vezes mais

GM, 11-12/10/2005, p. A2

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