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Museu do índio: arbitrariedade e resistência

Boletim UFMG - https://www.ufmg.br/
Autor: Cleonice Pitangui Mendonça
19 de Nov de 2012

No ano em que comemoramos 90 anos do nascimento de Darcy Ribeiro, uma de suas obras, o Museu do Índio, por ele criado no bairro Maracanã em 1953, recebe um ataque do poder do Estado do Rio de Janeiro. Em nota oficial, expedida em 18 de outubro passado, o governador Sérgio Cabral anunciou a demolição do Museu para oferecer mobilidade maior às pessoas no entorno do Maracanã durante a Copa do Mundo de 2014.

O prédio do Museu data de 1862. Inicialmente foi sede do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado pelo Marechal Rondon, e deu origem à Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 1953, tornou-se a primeira sede do Museu do Índio, fundado por Darcy Ribeiro. O Museu, única instituição oficial no país dedicada exclusivamente às culturas indígenas, foi transferido para o bairro de Botafogo em 1978.

Era na sede do Museu nas proximidades do estádio do Maracanã que o Marechal Rondon e Darcy Ribeiro costumavam receber os índios. Como não foi tombado por nenhum órgão, embora todos reconheçam o seu valor histórico e arquitetônico, o local encontra-se em ruínas. Desde 2006, o imóvel está ocupado por índios de diversas etnias que justificam tê-lo feito com o intuito de preservá-lo. Segundo eles, a Aldeia Maracanã tornou-se referência nacional para o índio que chega ao Rio de Janeiro. Eles construíram algumas casas e uma oca fora do edifício. No interior funciona o Centro Cultural Indígena, em bases precárias.

Segundo as palavras do seu presidente, Afonso Apurinã, o espaço é "(...) um solo sagrado que conta a história dos índios que aqui viviam. Foram eles que deram nome ao estádio e até ao rio que passa por aqui. Temos uma árvore que até hoje atrai os pássaros maracanã, que chegam em busca de comida. Seria muito bom que os turistas que visitam o estádio pudessem ver também toda essa história e um pouco da cultura indígena".

"A conquista de um povo está na força de um sonho e na coragem de um guerreiro." - Índio Xohã

A falta de visão do governador com a sua intenção de eliminar um bem de significado ímpar para a nossa história e cultura nos causa estranheza, pois faz pensar que ele não conhece que o imóvel faz referência aos primeiros povos que habitavam a terra a se transmutar no país Brasil.

Falta maior, penso eu, é não capitalizar o Museu para a Copa de 2014, tombando, recuperando, preservando e o transformando num exemplo positivo de como o Estado trata os nossos primeiros habitantes, num país formado de diferentes humanidades, como diria Darcy Ribeiro. Existe vitrine melhor do que esta para um país que receberá turistas do mundo inteiro durante a Copa do Mundo? Afinal, está situada ao lado de um dos nossos maiores estádios, onde ocorrerá parte dos jogos.

Uma movimentação em defesa desse nosso patrimônio foi iniciada pela Fundação Darcy Ribeiro com o lançamento de manifesto no dia 26 de outubro, data do aniversário de 90 anos de Darcy Ribeiro, e pelos indígenas que ora ocupam o prédio, realizando, nos dois dias seguintes, rituais de canto e dança como forma de resistência não violenta. Os indígenas que tradicionalmente nos oferecem lições de como lidar com a preservação do meio ambiente agora ensinam a defender o patrimônio - o deles e o nosso.

A Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro já impetrou ação civil pública na Justiça Federal para tentar impedir a demolição. Esperamos que as autoridades detentoras do poder legal e político de decisão ajam em consonância com as ações em favor da não destruição do imóvel, acatando laudo dos institutos do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) e Estadual do Patrimônio Histórico (Inepac) a favor da preservação do prédio.

Dispondo sobre a cultura, a nossa Carta Magna diz, em seu Art. 216, que "constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (...)". Neste sentido, cabe ao Iphan tomar as medidas necessárias para o reconhecimento do imóvel como patrimônio cultural.

Ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Sorbonne em 1979, Darcy Ribeiro aceitou a honraria pelos méritos de seus fracassos que, no entanto, atestavam a sua dignidade. Um deles era a luta em defesa dos índios do Brasil que continuavam condenados à aniquilação, haja vista, hoje, a situação dos Guarani-Kaiowá, com grande repercussão e causando espanto no mundo. A preservação do Museu do Índio deve mostrar uma visão de Estado que faça jus aos nossos primeiros habitantes, apontando na direção de uma política de direitos tão cara ao discurso oficial.

Darcy Ribeiro dizia que somos uma Roma tardia e tropical, uma nova civilização orgulhosa de si mesma. "Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as (...) culturas."

O ato do governador Sérgio Cabral aponta para o oposto.

*Antropóloga e professora aposentada da UFMG

https://www.ufmg.br/boletim/bol1799/2.shtml

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