VOLTAR

Mulheres indígenas se unem por acesso a programas de renda

Carta Maior-Brasília-DF
Autor: Maurício Hashizume
12 de Jul de 2004

A criação de um cadastro especial para que famílias indígenas possam ter acesso aos programas de transferência de renda é uma das reivindicações das participantes da edição inaugural da Conferência Nacional de Mulheres Indígenas.
Brasília - Representantes dos mais diversos povos do país se reuniram na 1a Conferência Nacional de Mulheres Indígenas, nesta segunda-feira (12), para buscar formas de combater dois flagelos comuns das quais muitas delas são vítimas diretas - a fome e à pobreza. Diante do quadro periclitante, uma medida emergencial vem sendo defendida com vigor, entre uma porção de outras reivindicações, pelas índias: a viabilização de um cadastro especial para programas de transferência de renda baseados nos dados do Fundo Nacional da Saúde (Funasa), que acumula informações de 411 mil indígenas do Brasil, com desembolso direto pela Caixa Econômica Federal (CEF).
Além do problema da exigência de vários documentos, os cadastros comuns para o recebimento de benefícios de programas do governo federal como o Bolsa Família e passam necessariamente pelos administrações municipais. "É muito difícil prefeito gostar de índio. Os conflitos agrários decorrentes da defesa das áreas indígenas 'incomodam' muito as prefeituras", sustenta Azelene Kaingang, do Instituto Warã, uma das entidades organizadoras da Conferência.
"O dinheiro do cartão ajudaria muito. As mulheres são atingidas duas vezes pela fome. Se os filhos delas chegaram ao ponto de não ter o que comer é porque elas mesmas já deixaram de comer muito antes", observa Azelene, socióloga e integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
A violência é outro problema grave entre as mulheres indígenas. Segundo Azelene, as índias são as maiores vítimas das invasões de seus territórios. "No caso dos Cintas-Largas de Rondônia, por exemplo, os garimpeiros de fora freqüentemente praticam estupros e, com a introdução das bebidas alcoólicas, os casos de agressão se multiplicam".
Integrantes do governo federal de diversos ministérios estiveram na Conferência para ouvir dúvidas e pedidos das participantes da Conferência. Em geral, eles reconheceram a necessidade de um tratamento específico para as políticas públicas voltadas aos indígenas que possa contemplar a diversidade e a especificidade dos povos. "O Estado ainda não se considera multicultural e diverso. Por enquanto, isso ainda não saiu do discurso. As ações específicas não estão chegando nas aldeias", reclama Azelene, uma das principais porta-vozes do encontro organizado pelo Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (Conami), em parceria com o Warã e o Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (Mama), que termina nesta terça (13) na capital nacional.
A solicitação de um cadastro especial para representantes dos povos indígenas que não seja administrado pelas prefeituras será levado também à 1a Conferência das Mulheres, que se inicia na próxima quinta-feira (15).
Segundo Rosângela Carvalho, da Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fomes (MDS), técnicos do governo estão desenvolvendo uma forma de criar tipos especiais de cadastro para as populações indígenas dentro do banco de dados federal. "Acredito que teremos uma resposta para esse problema técnico dentro de quatro meses. Não é falta de vontade política".

Mas sem as terras...
A participação de representantes indígenas em conselhos como o Consea tem, na opinião de Azelene, resultado em alguns avanços na questão das políticas públicas. "São os únicos espaços nos quais estamos conseguindo fincar uma cunha para demarcar a urgência dos nossos problemas".
A reivindicação de políticas emergenciais, no entanto, não joga fumaça sobre o principal problema relacionado aos povos indígenas: a posse da terra. "As demarcações, homologações e desintrusões das terras indígenas vêm antes de tudo. Ou o governo resolve a questão das terras, ou não há como falar em redução estrutural de pobreza indígena", assinala a socióloga Azelene.
"Nesse aspecto, o governo Lula está decepcionando. A questão está sendo tratada como tema de soberania no Conselho de Defesa Nacional e no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República em detrimento da afirmação de direitos. Isso revela um olhar desconfiado do governo", completa. Como diz a frase-mote da Conferência: "a palavra da mulher é sagrada como a terra".

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.