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Muito Além do Quilombo - o que pensa um quilombola.


Autor: Luiz Torres
26 de Jun de 2007

*Muito Além do Quilombo - o que pensa um quilombola.*

Estamos numa luta, que pelo andar que está sendo processada,
tende a se constituir mais uma vez desleal aos interesses do povo
afrodescendente. Por que me coloco com esse discurso, meus amigos?
Há orquestrado no ar, sob maciça intervenção do Sistema Globo de
Jornalismo, como porta voz de interesses dos 'indignados de sempre quando o
povo atinge limites até então intransponíveis' ("façamos a Revolução antes
que o povo a faça" - lembram disso?), uma "melodia mórbida" que rejeita os
procedimentos reparatórios constitucionais que por década o movimento negro
articulado e seus grupos de lutas específicas, como os *quilombolas*, o
próprio Movimento Negro Unificado - *MNU* e outros tanto lutaram.
Desde o fim da famigerada escravidão e o advento da republica
ano depois, o Estado construido no Brasil representou aos interesses das
elites economicas de grandiosa maioria associada aos simbolos étnicos
europeus; não que seja verdade absoluta esse processo! Pois a intimidade e o
silêncio das alcovas (como narrou Gilberto Freire) nunca traduziram esse
perfil majoritário europeu; mas o que foi bradado por essas elites, e os que
se associavam a elas, era negar o ser africano quando era depreciativo ser
ou ter a africanidade no seio de seus caracteres genéticos ou culturais.

A memória nacional, sempre induzida a ser memória de consenso
aos interesses das elites e dos grupos econômicos que são ou representam,
esquece que houve rejeição a um partido negro na década de trinta, mesmo
apesar da conturbação daquele período pela interferência do Estado Novo,
depois que esse foi desarticulado pela "democratização burguesa/oligárquica"
no pós-guerra, esse perfil partidário étnico sucumbiu. Por que não se falou
mais nisso?

Desculpe-me a extrema radicalidade dessa informação: "tem mais
pretos nos presídios e muito mais brancos nas universidades públicas de
ponta e nos chamados cursos de excelência, por que?" Por que os pais dos
pretos, de pouca ou quase nenhuma alfabetização (escolaridade), assim
quiseram? (???) Qual contribuição foi dada pela elite de ontem, para mudar
esse perfil? E qual proposta a de hoje, mais descolada, como se apresenta,
propõe a não ser só discurso também?

O que esperar? - O 'amigo da escola' chegar e resolver todos os
problemas da educação, sem que o estado pague e dê condições de trabalho ao
'melhor amigo da escola de verdade', o professor?

Por que até hoje João Candido, "o almirante negro" não é
obrigatório? Não só por ter sido marinheiro, mas porque, independente a
isso, foi um cidadão negro brasileiro que se indignou! Coisas do silêncio
do Brasil que me incomoda. *Axé ao meu povo de Restinga da Marambaia*,
quilombolas que há anos tentam se fazer ouvir!

Não há racismo na luta nacional de reparação, na lei de cotas
para universidade pública etc. Nossa sociedade está acostumada a por toalhas
frias sobre suas mazelas. Rui Babosa, grande representante da elite do seu
tempo, propôs isso ao fim da escravidão, "que a esquecêssemos!"
Experimentamos um período cruel de Ditadura entre os anos 60 e 70; e na
democratização ficou-se tudo por isso mesmo. No Brasil até saber dos nossos
mortos pela repressão era tanto quanto constrangedor...

Finalizando, o decreto *4887/2003* é o objeto de toda essa
orquestração que digo ocorrer hoje no Brasil; ele é tão surpreendente nas
suas considerações de promoção a igualdade racial que impõe medo aos grupos
da elite (econômico, civil, militar ou religiosa) e seus defensores do
status quo; sua área de ação mexe com o poder econômico de grupos
historicamente preservados pelas benesses do Estado brasileiro. Por isso um
quilombola incomoda muita gente, dois então nem se fala...

*Luiz Torres*
*É professor, poeta e compositor.*
*É quilombola da Pedra do Sal.*

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