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Mudanças na equação do poder

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: SCHWAB, Klaus
23 de Jan de 2007

Mudanças na equação do poder

Klaus Schwab

Estamos no meio de uma revolução conhecida por diversos nomes (globalização, revolução do conhecimento) e que tem como uma das conseqüências descentralização na equação do poder. Estruturas verticais de controle e comando estão em declínio, sendo substituídas por redes horizontais de comunidades sociais e plataformas de colaboração. Um nível de integração e conectividade sem precedentes criou uma verdadeira comunidade global, que gerou um paradoxo: o poder está cada vez mais espalhado e difícil de controlar. Mas essa é apenas parte da equação. Mais interessante é descobrir como reinventaremos nossas relações sociais e estruturas de poder nesse ambiente horizontal.

As instituições globais e estruturas de governança não se adaptaram aos novos tempos; foram construídas sob o conceito de estado-nação, basicamente projetadas para proteger interesses nacionais, sem fomentar um senso de credibilidade global. Ficou claro na década passada que qualquer movimento em prol de objetivos comuns internacionais, quando ocorreu, foi bastante limitado em duração e abrangência, e normalmente restrito aos interesses dos governos. Mesmo assim, gestão e liderança globais se tornaram ainda mais necessárias em face dos muitos desafios simultâneos. O mundo precisa de mecanismos efetivos para lidar com esses desafios de forma sistêmica, abrangente e pró-ativa. Enquanto focamos nessa busca, esperamos juntar, na Reunião de Davos, um grupo coeso e representativo de líderes para criar soluções para esses problemas.

Gostaria de destacar alguns dos desafios que serão tratados em Davos esta semana:

No meio ambiente, a maneira insustentável com que lidamos com a biosfera - níveis maiores de C02 na atmosfera, escassez de água potável, crescimento de desertos e retração das florestas. Os danos são evidentes em todos os países, tendo também como conseqüência crescimento de tensão social.

No campo econômico, há o risco ascendente de prejuízo ao desenvolvimento econômico. Apesar do vigor expansivo da economia mundial, as diferenças de renda entre e dentro dos países são cada vez maiores. Não podemos mais "consumir agora para pagar depois". São necessárias reformas para proteger o meio ambiente, adaptar sistemas educacionais, sociais e de saúde. Às vezes parece que a sociedade perdeu a motivação genética de cuidar da próxima geração.

No âmbito político há uma decomposição profunda das estruturas historicamente usadas para gerir o mundo. É, de certa maneira, um retrocesso na globalização, já que organizações como ONU e Bretton Woods enfrentam sérias dificuldades para suprir necessidades de um ambiente em constante mudança. Exemplo é a incapacidade de lidar de maneira eficiente com Estados em falência, terrorismo etc. Mas reformas baseadas no aproveitamento de paradigmas do passado são fadaras ao fracasso em nosso novo mundo horizontal.

Em termos sociais, a pergunta é como lidar com a velocidade das mudanças. A população desenvolveu sensibilidade social por tudo que não é horizontal.

Seu instinto diz que um mundo nesses novos moldes precisa de um senso de eqüidade e solidariedade. Por isso, novos movimentos sociais são freqüentemente dirigidos por jovens idealistas, e não pela esquerda tradicional. Mas há uma contradição entre esse novo idealismo e a realidade, já que o mundo no âmbito social não é horizontal. A distância entre os capazes de surfar a onda da globalização e os que ficam para trás cresce nos âmbitos globais, nacionais, corporativos e individuais.

Finalmente, sob a perspectiva cultural, testemunhamos um mundo em busca da sua alma e identidades religiosas e culturais. Apesar da cultura da internet, dos dois bilhões de pessoas conectadas, com capacidade de compartilhar textos, voz, dados e vídeo e de interagir individualmente ou em grupos, ainda não pode ser identificada uma nova identidade ou cultura global. Ao contrário, a tendência é de individualismo, tribos, novos pontos de aglomeração. A nova febre é a web 2.0.

Entretanto, sem a devida atenção, essas novas comunidades não estarão agindo a favor de interesses globais.
Quando o mundo migrou do local para o global, no século XIX, a ideologia liberal evoluiu baseada na necessidade de proteger o indivíduo do coletivo (do poder dos governos, das instituições burocráticas). Hoje há uma nova revolução: o poder migra de volta para o indivíduo e ganha destaque a necessidade de proteger a coletividade do individualismo. Afinal, o indivíduo poderá deter capacidades destrutivas que apenas alguns países tinham no passado.

Qual é o ponto de equilíbrio nessa luta do coletivo contra o individual?
Esse mundo horizontal apresenta mais oportunidades, a que indivíduos e instituições precisam se adaptar. Precisamos conectar líderes corporativos, políticos e da sociedade para criar novas alianças que melhorem a condição do nosso mundo, e formar uma nova vontade coletiva. Talvez pareça irônico que nós, cercados pelas montanhas de Davos, trabalharemos para aprender a aproveitar um mundo mais horizontal em prol do benefício de todos!

Klaus Schwab é fundador e presidente-executivo do World Economic Forum.

O Globo, 23/01/2007, Opinião, p. 7

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