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Mudanças climáticas fazem o sertão ferver

O Globo, Ciência, p. 38
03 de Dez de 2009

Mudanças climáticas fazem o sertão ferver
No interior de Pernambuco a elevação da temperatura chegaria a 4 graus Celsius

Letícia Lins

No momento em que governos de todo o mundo se preparam para discutir em Copenhague formas de limitar o aquecimento do planeta em 2 graus Celsius, o Laboratório Meteorológico de Pernambuco (Lamepe) divulgou ontem uma informação preocupante: já chega a quatro graus a elevação de temperatura no sertão do estado, enquanto na Zona da Mata ela atinge três graus. A constatação - ainda não publicada - é uma das primeiras conclusões do Muclipe (Mudanças Climáticas e seus Impactos em Pernambuco), um projeto patrocinado pelo governo federal e que conta com a participação de instituições de todo o país.

Região sofre com desmatamento sem precedentes
Segundo a Coordenadora do Lamepe, Francinete Francis Lacerda, doze pontos do estado estão sendo monitorados e o levantamento já foi concluído em duas áreas. O problema mais grave, no entanto, é em Araripina, a 692 quilômetros de Recife, onde o acompanhamento de uma série histórica de 60 anos indicou o aumento de 4 graus Celsius, o que surpreendeu os pesquisadores.

- Normalmente o aumento observado em outras partes do mundo fica em 1,5 grau em média. Já fui muito sabatinada por especialistas, alguns dos quais vieram ao Lamepe checar as informações. Mas revisamos tudo e os números são esses mesmos, infelizmente.

Para a pesquisadora, além do aquecimento global, Araripina pode ser vítima também do desmatamento sem precedentes provocado pelo consumo de lenha para alimentar fornos da indústria gesseira do sertão do Araripe, uma das zonas mais secas do estado. Cinco de seus municípios concentram cerca de 400 empresas do setor, que consomem por ano mais de 1,5 milhão de metros cúbicos de lenha, provenientes de matas nativas da caatinga.

Conhecido pela riqueza em fósseis, o sertão do Araripe responde por 95% da produção brasileira de gipsita e nele ficam 40% das minas do mundo. De acordo com o Ibama, até o ano passado, todas as empresas da região atuavam com algum tipo de irregularidade ambiental. No ano passado, à exceção de uma, todas as calcinadoras foram embargadas por problemas que iam da falta de licenciamento ambiental ao uso de madeira ilegalmente extraída como fonte energética.

Segundo o coordenador de auditorias do Ibama no Araripe, Josenildo José dos Santos, depois da intervenção o consumo de lenha da caatinga foi reduzido e agora as empresas usam lenha de árvores exóticas (como a algaroba) ou proveniente das podas dos pólos de fruticultura do sertão do São Francisco ou dos cajueiros do Ceará. Ele disse que anteriormente 90% usavam madeira ilegal, mas que as auditorias realizadas esse ano em 18, indicaram os abusos em apenas duas.

O sertão fica no semi-árido, região marcada por secas constantes e de grande pressão durante as estiagens. Mas o aquecimento também foi observado na Zona da Mata, mais precisamente em Vitória de Santo Antão, a 51 quilômetros da capital pernambucana. Na Zona da Mata se concentra a agroindústria açucareira do estado.

Números surpreenderam os pesquisadores
De acordo com o Lamepe, a série histórica pesquisada na área canavieira foi de 50 anos e o aumento de temperatura no período também não é pequeno: 3 graus Celsius. A Zona da Mata é úmida, possui estações chuvosas regulares.

Francis lembrou que a metodologia adotada segue os padrões internacionais e contou que os números de Vitória surpreenderam os pesquisadores do Lamepe tanto quanto os registrados no Araripe.

- Quando fizemos a triagem pensamos em algum erro. Mas revisamos tudo e não houve mudança nas informações indicadas pela série histórica. Estamos diante de uma realidade dramática, porque os efeitos do aquecimento global estão sendo ampliados nesses locais devido à ação descontrolada do homem.

Chuvas diminuem na região

O aumento de temperatura na Zona da Mata e no sertão do Araripe não é o único problema provocado pelo aquecimento global em Pernambuco. Uma pesquisa efetuada no sertão do Pajeú, divulgada no Décimo Oitavo Congresso Brasileiro de Recursos Hídricos, indicou uma redução na densidade pluviométrica da região, com oscilações que variam entre cinco e nove milímetros anuais.

Em Afogados de Ingazeira, a 386 quilômetros do Recife, a diminuição das chuvas foi de cinco milímetros, mas em Carnaíba, a 417 quilômetros, a diferença chega a nove milímetros. O acompanhamento foi realizado entre os anos de 1965 e 2004. No estudo foram realizadas coletas em oito pontos do Pajeú, região com 16 mil 830 quilômetros quadrados e que corresponde a 17,2 por cento da área do estado (L.L.)

O Globo, 03/12/2009, Ciência, p. 38

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