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Mudança na cultura

Valor Econômico, Especial, p. G1
12 de Mai de 2014

Mudança na cultura

Por Karla Dutkievicz
Para o Valor, de São Paulo

O mapa da agricultura vai mudar. Dentro de poucas décadas, a localização das diferentes culturas estará muito diferente do que é hoje por conta das condições climáticas. A migração de culturas já é visível em regiões do Brasil, segundo os especialistas. Em São Paulo, por exemplo, o cultivo do café diminuiu 36% entre 1998 e 2008. A plantação de seringueiras no Estado cresceu em 67% no mesmo período.
O alerta foi feito por Hilton Silveira Pinto, professor de meteorologia agrícola do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade de Campinas (Unicamp). "As culturas agrícolas vêm migrando ao longo do tempo em razão das mudanças climáticas", afirmou o pesquisador no seminário Impacto das Mudanças Climáticas no Agronegócio Brasileiro, realizado pelo Valor com o apoio da Bayer CropScience em São Paulo na última quinta-feira. "E esses não são cenários. São dados observados."
Para Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa e professor da FGV-GVAgro, o verão deste ano foi emblemático no sentido de comprovar as mudanças no clima projetadas pelas pesquisas. A temperatura média do período foi mais alta do que a média histórica, e o comportamento das chuvas, atípico. A população convive com a redução do nível dos reservatórios de água, como o do sistema Cantareira. "Diziam que éramos pessimistas, quando alertamos sobre o risco desses acontecimentos em 2011", diz Assad.
Fernando Bertolucci, gerente geral de tecnologia da Fibria, considera que a discussão sobre a existência ou não do aquecimento global não se justifica mais. "Os dados não deixam dúvidas quanto ao fato de que há mudanças climáticas importantes em curso. O aquecimento da Terra é inequívoco e vem se intensificando", afirmou Bertolucci em um dos painéis do seminário.
Eduardo Estrada, presidente da Bayer CropScience para Brasil e América Latina, afirma que o tema entrou definitivamente na agenda da empresa: "O clima está entre as maiores preocupações do produtor agropecuário hoje no Brasil". É uma referência ao que ele ouve dos clientes e ao Índice de Confiança do Agronegócio (IC Agro). O índice foi lançado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) em fevereiro e aponta a mudança no clima como preocupação importante para 46% dos respondentes.
O impacto dos eventos extremos e da mudança no comportamento das chuvas têm afetado inclusive as plantas consideradas mais resilientes. Um exemplo foi o que aconteceu com a cana-de-açúcar em regiões do Nordeste. O diretor agrícola do grupo pernambucano Petribu, Luiz Sales, conta que a produção de açúcar da última safra não cresceu, apesar de a empresa ter colhido 400 mil toneladas de cana a mais que a penúltima safra. "Produzimos praticamente a mesma quantidade de açúcar porque perdemos cerca de 10 quilos de ATR [Açúcar Total Recuperável] por tonelada de cana dada a seca e o regime de chuvas que a região viveu na última safra", afirmou Sales, um dos convidados do seminário.
Se a degradação de clima e solo continuar no atual ritmo, os impactos negativos tendem a se acumular no país, segundo os dados de um relatório do Banco Mundial apresentados por Hilton Pinto, do Cepagri. A produção de milho pode cair para 45,78 milhões de toneladas na safra 2020/2021 em vez de crescer para 65,5 milhões de toneladas. A produção de soja ficaria em 53,28 milhões de toneladas, em vez dos 86,5 milhões previstos. As projeções consideram a manutenção das atuais condições, sem a realização de quaisquer ações de adaptação, mitigação ou do uso de novas tecnologias. Outro estudo, feito por Pinto e Assad, aponta que não agir contra o impacto das mudanças climáticas provocará a redução de 2,5% ao ano do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Outros estudiosos percebem impactos, mas não tão grandes. "A gente não espera uma queda na produção agrícola, mas sim um crescimento menor do que o possível caso as mudanças no clima não ocorressem", disse o painelista André Nassar, diretor-geral da consultoria Agroicone. Em sua apresentação, ele afirmou que uma das consequências para a possível desaceleração no crescimento é o aumento dos preços relativos. "Ainda não sabemos como o mercado internacional vai reagir. Se produção global tiver o mesmo desempenho, o Brasil não perderá competitividade. Essa é a alternativa em que mais acredito", afirmou Nassar.
"A maioria dos cenários começa a ser convergente quanto à existência dos riscos. A incerteza é quanto à amplitude desses riscos", afirmou Alexandre Gross, gestor de projetos do programa de política e economia ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVCes) da FGV. "Mas não saber o tamanho do problema não justifica esperar. A incerteza nunca pode ser uma justificativa para a inação."
Neste contexto, Gross afirma que o conceito de medidas chamadas "no regrets" (sem arrependimento, em inglês) vem ganhando prioridade no mundo. São soluções que serão positivas independentemente do cenário que vier a se confirmar no futuro. Gross dá como exemplo a opção de um agricultor plantar espécies mais resistentes à falta de água. Essa decisão, diz o pesquisador, vai se mostrar acertada em qualquer situação, seja numa situação de severa escassez hídrica ou não.
Márcio Nappo, diretor de sustentabilidade da JBS afirma que sente falta de uma maior discussão sobre medidas de adaptação. "O que me parece é que o debate tem priorizado mais a questão da mitigação do que a de adaptação." Nappo acredita que se adaptar às novas condições do clima pode ser mais pragmático do que o esforço para mitigar os danos causados pela nova situação do clima. "Uma pastagem bem feita reduz a emissão e, dependendo do manejo, pode passar a ser sequestradora de carbono", afirmou Nappo, relatando o trabalho feito pela JBS com os pecuaristas fornecedores da empresa. Ele diz que discutir ações de adaptação das condições de produção - como a recuperação de pastagens degradadas pelas queimadas - pode ser mais eficiente do que discorrer exclusivamente sobre atividades de mitigação - como o combate ao desmatamento.
Para Gross, da FGV, as duas discussões são urgentes e relevantes. "No entanto, têm características diferentes", diz. "Por gerar bem público e estar inserida em uma governança global do clima, a mitigação possui uma pauta governamental forte. Já na adaptação, o governo é mais o guardião da equidade entre os agentes e da eficiência geral das ações, e o setor produtivo é o agente da ação e quem se beneficia dessa mudança", diz o pesquisador.
Os resultados da mitigação no Brasil são eloquentes. Em sua apresentação, Tatiana Trevisan, gerente de sustentabilidade do Walmart no Brasil, lembrou que a emissão de gases de feito estufa (GEE) pelo Brasil foi muito menor que a global. Entre 1990 e 2012, o país registrou um aumento de 7%. No mesmo período, as emissões globais cresceram 37%.
"O Brasil evoluiu muito", afirma Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Como ações para mitigar a emissão, Barreto cita a criação de áreas de preservação e a efetivação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), entre várias outras ações.

Crédito pode ser instrumento eficaz para preservação

Por De São Paulo

O crédito agrícola no Brasil pode contribuir muito mais para conservação do meio ambiente e redução dos gases de efeito-estufa. A possibilidade, entretanto, ainda dá sinais que se resume a isso: a uma possibilidade. Segundo os resultados do programa federal de financiamento ABC (Agricultura de Baixo Carbono), o acesso a esses recursos ainda é parcial. Levantamento feito pela pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVCes) da FGV Susian Martins mostra que o desembolso do programa foi de 20% do total disponibiizado na primeira edição (safra 2010/11), 48% na segunda e de 83% na terceira. Na quarta edição, a da safra 2013/14, os números indicam que o aproveitamento será, novamente, parcial. Até março, o valor emprestado havia sido de R$ 2,2 bilhões, menos da metade dos R$ 4,5 bilhões oferecidos pelo governo federal.
Segundo Susian, 80% dos desembolsos têm sido destinados para a recuperação de pastagens para o gado e para projetos de integração entre lavoura, pecuária e floresta (LPF). O dado deve ser comemorado em razão dos ganhos que um bom manejo proporciona, segundo Susian. "Uma pastagem recuperada colabora muito com a redução da emissão de gases de efeito-estufa. E isso não exige grandes investimentos ou tecnologia", diz.
Um animal em uma pastagem degradada emite em torno de 32 kg de CO2 equivalente para cada quilo de carne. Além disso, o pasto ruim não gera alimento para muitos bois. Em média, dois hectares de pasto ruim suportam a alimentação de apenas um animal. Em um pasto em boas condições de manejo um animal emite dez vezes menos gás de efeito-estufa. E dois hectares de uma boa pastagem suportam, em média, a engorda de seis a oito cabeças de gado. "Ou seja, um pasto com um bom manejo concentra mais animais, permite a redução do tempo de engorda e de abate", afirma.
A pesquisadora acredita que o fato de os recursos do programa ainda não serem usados integralmente se deve a diferentes fatores. "A recuperação de um pasto é simples, mas exige capacitação técnica e, especialmente, mudança cultural de quem está no campo. A transição para um sistema LPF também requer uma transição cultural", afirma. Além do produtor, o agente financeiro que aprova o financiamento também precisa se habituar a uma nova forma de trabalhar. "Ele tem de avaliar e aprovar projetos. É diferente de outras linhas de financiamento [como para a compra de um trator, por exemplo]", afirma a pesquisadora que participa do Observatório ABC, criado há exatamente um ano para acompanhar o a implementação do ABC. O observatório é coordenado pelo Centro de Estudo de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (GVAgro) e desenvolvido em parceria com a GVces. O plano setorial existe desde 2010 e tem como objetivo discutir a adoção das tecnologias de produção sustentáveis.
O bom aproveitamento de linhas de financiamento que estão disponíveis é também uma maneira de fomentar o pagamento dos serviços ambientais (PSA), na avaliação de Rodrigo Mauro Freire, coordenador de Florestas e Clima do Programa Amazônia da ONG The Nature Conservancy (TNC). Para o biólogo, as iniciativas existentes hoje no Brasil para recompensar os proprietários e produtores rurais que conservam o ambiente e, portanto, prestam os chamados serviços ambientais não são abrangentes, nem têm chances de ganhar escala. Segundo ele, são ações específicas, voluntárias e bilaterais. "Não podemos esperar o surgimento de recursos extras destinados para PSA. No nosso entendimento, é preciso aproveitar programas como o Pronaf Floresta, Pronaf Mulher, Pronaf Eco", diz Freire, referindo-se a linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) do governo federal.
Freire pondera que as linhas do Pronaf trazem um ganho efetivo para os serviços ambientais: a sua massificação. "[Usar o Pronaf] é diferente do PSA clássico, porque não há alguém pagando pelo serviço. Mas o resultado é o mesmo."

Valor Econômico, 12/05/2014, Especial, p. G1

http://www.valor.com.br/agro/3543612/mudanca-na-cultura

http://www.valor.com.br/agro/3543614/credito-pode-ser-instrumento-efica…

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