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24 de Jun de 2024
Mudança climática vira novo nicho de negócio
Empresas contratam consultorias para mitigar danos. No mundo, mercado de previsão meteorológica já movimenta R$ 3 bilhões e deve crescer 8% ao ano no Brasil até 2030
João Sorima Neto
26/06/2024
Mais de 9 mil empresas foram afetadas pela enchente no Rio Grande do Sul - e pelo menos 5,6 mil ficaram inoperantes. Na Amazônia, a indústria se prepara para mais um período de estiagem, com impacto na logística de escoamento dos produtos. Esses são exemplos de como cada vez mais as mudanças climáticas têm afetado o dia a dia do cidadão comum e a operação das companhias. Esse cenário tem levado as empresas a um movimento de procura por consultorias de dados meteorológicos para ganhar produtividade e segurança.
- A recorrência de eventos extremos climáticos elevou o risco operacional e financeiro. A procura por informações meteorológicas auxilia o planejamento e a tomada de decisões. Empresas que se antecipam em calcular impactos financeiros desses fenômenos conseguem medir riscos operacionais, proteger empregos e sua infraestrutura. Sem isso, hoje elas ficam vulneráveis - diz Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da consultoria TCP Partners.
Um estudo da TCP mostrou que o mercado global de previsão meteorológica movimenta cerca de US$ 3 bilhões (R$ 16 bilhões) ao ano. As estimativas apontam para um crescimento médio anual de 5,3% até 2030, quando deverá girar em torno de US$ 4,6 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões).
No Brasil, a expectativa é que esse mercado cresça ainda mais que o global. A consultoria estimou uma movimentação de R$ 122 milhões em 2022. Até 2030, deve chegar a R$ 230,5 milhões, crescimento anual de 8,3%.
Solução da casa
Se antigamente o agronegócio era o principal cliente desse serviço - e ainda ajuda muito a puxar o seu crescimento - , esse mercado agora vem se expandindo pelo interesse de áreas diversas, como aviação e transporte marítimo, infraestrutura e telecomunicações. Há também indústrias, que cada vez mais utilizam energia renovável (como eólica e solar), fontes que precisam de monitoramento para não travar a produção em caso de escassez.
A necessidade de monitoramento da Amazônia, do Cerrado e Sul do país também pesam a favor desse mercado, diz a TCP. Entre as empresas que buscam apoio de dados meteorológicos para sua operações estão Vale (de mineração), CCR (de infraestrutura, que opera 37 concessões de rodovias, mobilidade urbana e aeroportos em 230 cidades espalhadas por 13 estados do país) e a Auren (de energia).
A Vale criou, em 2021, sua própria fonte de dados: o Sistema de Previsões Meteorológicas do Instituto Tecnológico Vale (ITV), feito em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA). Foi desenvolvido um modelo de previsão de tempo, que foi adaptado para as operações da mineradora nos estados do Pará e do Maranhão.
A CCR lançou em abril sua estratégia de "resiliência climática". A empresa fechou um acordo de cooperação com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) para receber alertas de deslizamento de terra e inundação. E vai fornecer ao órgão imagens das câmeras de monitoramento das vias que opera e dados de sensores para auxiliar o trabalho do Cemaden na identificação de situações de emergência.
Intercâmbio de dados
A empresa vai instalar ainda sensores de elevação de rios e pluviômetros ao longo de suas concessões, além de usar dados captados por esses instrumentos para elaborar planos de contingência visando à segurança de seus funcionários e clientes. Os empregados também serão treinados para interpretar essas informações e tomar a decisão mais adequada quando necessário.
- Estamos fortalecendo a capacidade de operação dos nossos negócios, ao levar em consideração os riscos e os impactos causados pelas mudanças climáticas - afirma Pedro Sutter, vice-presidente de sustentabilidade, riscos e compliance do Grupo CCR.
Bruno Noronha, gerente executivo de planejamento energético da Auren Energia conta que a empresa já tem meteorologistas na equipe, além de ter fechado parcerias com consultorias como Tempo Ok, Ampere Consultoria e Climatempo.
Pelo lado das consultorias meteorológicas, o aumento da demanda está gerando mais oportunidades de negócios. A Nottus - nome que na mitologia grega representa o vento sul - é um braço de inteligência de dados e serviços de meteorologia da consultoria Thymos Energia. Foi criada em abril do ano passado e quer ter 30% do mercado em cinco anos.
Alexandre Nascimento, sócio-diretor e meteorologista da Nottus, observa que as consultorias meteorológicas entraram no radar até do varejo, para elaboração de planos de negócios e estratégias de venda de uma coleção de inverno, por exemplo.
- A procura na área de vestuário por nossos serviços cresceu bastante. Há aumento de interesse também pela construção civil, já que as construtoras muitas vezes precisam justificar o atraso na entrega de uma obra, seja por ventania ou chuvas intensas - diz Nascimento, acrescentando que a Nottus usa dados coletados por satélites, estações meteorológicas e utiliza cálculos por modelos matemáticos com uso de inteligência artificial.
Cartilha de raios para funcionários
Na Vale, as previsões são atualizadas diariamente e têm foco na ocorrência de chuva num horizonte de cinco dias e nas projeções de precipitações acumuladas no mês. As informações são disponibilizadas para os funcionários de diferentes áreas.
Os dados ajudam no planejamento de manutenção de usinas, recuperação de pátios, controle de estruturas e embarque de minério nos navios. A empresa desenvolveu ainda uma cartilha sobre a ocorrência de raios, cuja incidência tem aumentado no país.
- A adoção de medidas preventivas, como a interrupção temporária das atividades ao ar livre durante condições meteorológicas adversas e o uso de equipamentos de proteção individual ajudam a garantir a segurança dos trabalhadores - diz a especialista em eletricidade atmosférica e pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale (ITV) Ana Paula Paes dos Santos.
Uso de IA para prever o clima
Para minimizar os efeitos do clima sobre suas operações, a CCR se baseia em relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) com cenários para 2030 e 2050. E fechou parcerias para auxiliá-la na melhor compreensão dos fenômenos climáticos.
Além do Cemaden, órgão do governo federal que monitora deslizamentos, contratou a WayCarbon, especializada em soluções de descarbonização, para modelar dados e verificar a probabilidade de ocorrência de eventos extremos.
Também fechou acordo com a MeteoIA, startup de tecnologia focada no desenvolvimento de modelos de Inteligência Artificial para previsão de variáveis climáticas e seus impactos. Trabalha ainda com a Climatempo, que oferece ao grupo relatórios diários sobre as condições meteorológicas das regiões onde estão seus ativos, com direito a um meteorologista de plantão.
De olho na chuva para definir preço
A Auren Energia, que surgiu da integração dos ativos de energia da Votorantim e do CPP Investments, recebe atualizações diárias de dados meteorológicos de seus parceiros. Entre eles, estão a previsão de precipitação nas principais bacias do Sistema Interligado Nacional e todas as variáveis que influenciam o regime de chuvas no Brasil, como temperatura do ar, oscilações atmosféricas e temperatura dos oceanos.
Também conta com informações direcionadas a seus próprios ativos, como projeção de vento nos parques eólicos, irradiação solar e alertas de raios nas operações.
- O volume de chuvas é informação básica para projeções de preços no mercado livre, pois afeta a oferta de energia futura por parte das hidrelétricas. E as projeções de temperatura auxiliam nas estimativas de consumo de energia - diz Bruno Noronha, gerente executivo da Auren Energia.
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