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MST no alvo da CPI da Terra

CB, Politica, p.4
10 de Out de 2004

Relatório parcial sobre confederação ligada ao movimento dos sem-terra aponta suspeitas de irregularidades fiscais. Entidade recebeu recursos do governo Lula
MST no alvo da CPI da Terra
Guilherme Evelin
Da equipe do Correio
Um relatório parcial da CPI da Terra instalada pelo Congresso aponta supostas irregularidades em convênios celebrados com o governo Lula pela Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab), uma organização ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A Concrab é responsável pela coordenação nacional das cooperativas de assentados do MST.
A principal acusação do relatório é que cinco convênios da confederação com o governo federal, no valor de R$ 2,5 milhões e assinados em 2003 são ilegais. 0 documento foi preparado pela assessoria técnica do presidente da CPI, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), com base na análise de dados fiscais e financeiros da Concrab. A entidade estaria em situação tributária irregular.
De acordo com o relatório, a Concrab apresentou declarações de renda à Receita Federal, referentes aos exercícios de 2000 a 2004, em "branco" - omitindo informações sobre ativo, passivo e patrimônio líquido, como se eles fossem iguais a zero. Essa situação, segundo o documento, é "incompatível" com o ingresso de recursos do exterior nas contas bancárias da confederação.
Segundo verificou a CPI, entre 1998 e 2004, a Concrab recebeu de entidades estrangeiras US$ 772 mil em doações. A principal doadora foi a organização francesa Frère des Hommes, que enviou US$ 331 mil a partir de Luxemburgo, Bélgica e Alemanha. Um dos requisitos para que uma entidade receba recursos da União é que ela esteja em dia com os órgãos federais. Entre 2000 e 2004, a Receita não fez autuações ou abriu processos de fiscalização na Concrab.
Os cinco convênios da Concrab questionados como ilegais pelo relatório parcial da CPI da Terra foram celebrados no ano passado por diferentes órgãos-Ministérios da Ciência e Tecnologia, Agricultura, Meio Ambiente, Secretaria de Pesca e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A assinatura dos convênios significou uma retomada da parceria entre a confederação e governo federal. Entre 2000 e 2002, os repasses federais para a Concrab foram suspensos pelo governo FHC, depois que surgiram denúncias de que o MST cobrava um "pedágio" de 3% dos assentados em cima das verbas que eles recebiam como crédito e assistência do programa de reforma agrária.
Capacitação
0 maior dos convênios da Concrab, celebrado no governo Lula, é o do Incra, no valor de R$ 1,18 milhão, e prevê a capacitação de lideranças e dirigentes. 0 relatório parcial da CPI levanta suspeitas de que as verbas desse convênio foram desviadas e serviram para o financiamento de invasões organizadas pelo MST este ano durante o chamado "abril vermelho".
As evidências oferecidas sobre esse suposto desvio são bastante frágeis. 0 relatório limita-se a apontar um exagero nos custos dos cursos de formação de lideres, a partir de uma comparação com os cursos de alfabetização patrocinados pelo Ministério de Educação também um "estranha" coincidência entre os locais dos cursos financiados pelo governo federal e das invasões patrocinadas pelo MST.
O Correio obteve cópia do relatório parcial da CPI na noite da última sexta-feira. Ontem, entrou em contato com a assessoria de imprensa do Incra, que prometeu dar nesta segunda-feira uma resposta às acusações. A reportagem também não conseguiu localizar ninguém da Concrab. Por se tratar de um sábado, ninguém respondia aos telefones na sede da organização, em São Paulo.

Ruralistas pediram investigação
A CPI da Terra está colocando em confronto as bancadas dos pró-sem-terra e dos ruralistas no Congresso. A quebra de sigilo fiscal e bancário da Concrab foi aprovada pela comissão no último dia 16 de junho, a pedido do deputado Abelardo Lupion (PFL-PR). Junto com a confederação, a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), outra organização ligada ao MST, também teve o seu sigilo quebrado.
Os requerimentos de investigação dos dados bancários e fiscais das duas entidades foram aprovados durante depoimento do ex-deputado petista Plínio de Arruda Sampaio, à revelia do relator da CPI, deputado João Alfredo (PT-CE), e pegando de surpresa a bancada pró-sem-terra. Os ruralistas alegam que as duas entidades - Concrab e Anca - são o "braço financeiro" do MST, que não tem personalidade jurídica constituída. O presidente da CPI, senador Álvaro Dias, é ligado aos ruralistas.
Como contra-ataque aos ruralistas, a bancada dos sem-terra tentou aprovar a abertura das contas da União Democrática Ruralista (UDR) e da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (Cnap), mas foi derrotada. Conseguiu apenas quebrar o sigilo do Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (Senar). Em julho, Concrab e Anca, representadas pelo deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), conseguiram uma liminar no Supremo Tribunal (STF) para suspender as quebras dos sigilos com a alegação de que elas não tinham fundamento.
Em setembro, porém, uma decisão do ministro Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso para o STF, derrubou a liminar e permitiu a continuidade da investigação dos papéis da Concrab. Já os documentos fiscais e financeiros da Anca continuam lacrados em um cofre do Senado, à espera de uma decisão definitiva pelo ministro Joaquim Barbosa, indicado por Lula, que ainda não se pronunciou. Por causa de demora de Barbosa, os ruralistas começaram a defender a prorrogação dos trabalhos da CPI.

CB, 10/10/2004, p. 4

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