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MPF apura agressão a índios

A Crítica, Cidades, p. C4
02 de Jun de 2004

MPF apura agressão a índios

Thaís Brianezi
Da equipe de A Crítica

0 Ministério Público Federal pedirá uma auditoria externa para apurar denúncias de maus-4 ratos sofridos pelos indígenas hospedados na Casa do Índio. A decisão foi tomada ontem pelo antropólogo do MPF, Marcos de Almeida, que esteve no local para ouviras queixas de que dois indígenas teriam sido amarrados e espancados por funcionários da instituição, no último dia 22 Os indígenas se reuniram e relataram a Almeida outros casos de humilhações.
"Eu estava há nove dias sem defecar e gemia de dor pelo corredor. Se não querem me tratar, mandem-me embora para morrer no mato, na minha aldeia", eu gritava. A funcionária Selma me mandou calar a boca e disse que odiava índio", contou Sebastiana, da etnia cocama 0 marido, de Selma, Cristiano Silva, completou: "Agente mora em Tabatinga, é uma viagem de oito dias de barco. Se fosse para ser tratado assim, a gente não viria". Valcilene Aparício, outra índia cocama, também estava indignada. "Eu fui fazer uns exames com o meu filho na cidade pela manhã. Só foram nos buscar no final da tarde. Agente ficou do lado de fora de um pronto-socorro no Alvorada, passando fome", lamentou ela.
Esta não é a primeira vez que o MPF recebe reclamações de agressão e precariedade no atendimento da Casa do índio de Manaus. Almeida afirmou que há pelo menos dois processos em andamento. E foi por causa deles que, em abril do ano passado, o MPF pediu à Funasa que realizasse uma auditoria na Casa. A conclusão dessa investigação foi que as denúncias apresentadas pelo MPF eram improcedentes. "Hoje, a gente viu que essa auditoria foi mentirosa. Vamos precisar de um olhar de fora, mais imparcial", concluiu Almeida.
O estopim
A agressão que motivou a ida do antropólogo do MPF à Casa do índio foi cometida contra os índios Carlos Pinheiro, 34 anos, sateré-maué, e Reinaldo Costa, 23 anos, cocama No dia 22 de maio, ambos saíram da casa para telefonar. Eles deveriam retomar em uma hora, mas não apareceram. Diante da demora, o guarda da casa foi a pé procurá-los e os encontrou já bêbados, no bar "Bom te Vê", que fica próximo à casa do índio, na altura no km 25 da estrada Manaus-Itacoatiara. 0 guarda, então, voltou à casa, pegou o carro, retomou ao bar acompanhado da assistente social Maria Amália Benetton, do motorista e de dois ajudantes de serviços gerais. Até aí, as versões de Reinaldo Costa e Maria Benetton são idênticas. As divergências aparecem no relato da agressão. Reinaldo afirmou que, porque se recusou a entrar no carro, o guarda lhe apontou um revólver, o dominou e, com a ajuda dos outros funcionários, amarrou seus braços e pernas. A assistente social sustentou que tanto Carlos quanto Benetton agrediram os dois ajudantes de cozinha e, por isso, foram amarrados. A proprietária do bar, Maria das Graças, confirmou a versão de Reinaldo. "Eram três homens contra um, um exagero", disse ela. Mas a própria Maria caiu em contradição. No começo da entrevista, garantiu que se recusara a vender cerveja a Carlos e Reinaldo porque sabia que era ilegal.
Verbas para novo centro
Manaus deve ganhar uma nova Casa do índio até o fim do ano. Foi o que informou o novo diretor da Funasa, Osvaldo Palhares. Os recursos de aproximadamente R$ 1,4 milhão para a construção já estão previstos no orçamento de 2004 do Ministério da Saúde. E o terreno, que fica no Distrito Industrial, foi doado pela Suframa. Falta só homologara doação e realizar o processo de licitação.
"Nessa construção vamos ouviras ONGs e organizações indígenas. Precisamos construir um local que seja agradável às várias etnias que se hospedam na Casa", prometeu Palhares. Segundo informou a chefe do Dsei Manaus, Nancy da Costa, a Casa do índio atual foi construída na década de 70 e não possui as instalações necessárias para o funcionamento de uma enfermaria "0 prédio atendia a outros propósitos da Funai, como o de fazer oficinas educativas. Quando ele passou para a Funasa nós tivemos que adaptá-lo da maneira que foi possível", avaliou Nancy. A última reforma da Casa do índio aconteceu em 2001. De lá para cá foram feitos apenas reparos de manutenção do prédio.
A chefe do Dsei Manaus conta que, desde que a Funasa assumiu o atendimento de saúde dos indígenas, em 1999, ela reivindica verba para a cons-. tração de uma nova Casa do índio. Os principais problemas apontados por Nancy na estrato ra atual da Casa são falta de ventilação, iluminação precária e pequena quantidade de cômodos. Para separar os doentes infecciosos é preciso interná-los no hospital ou alugar um quarto de hotel.
Destaque
Os hóspedes da Casa do índio não podem se comunicar com os parentes da aldeia. Lá há apenas um celular, em poder da administração. O novo coordenador regional da Funasa, Osvaldo Palhares, que assumiu o cargo há três dias, garantiu que em uma semana um telefone público será instalado no local.

Três pergunta para
Nancy da Costa – Chefe do DSEI/Manaus
1 - A Casa do índio está superlotada?
Nós temos capacidade para 150 paciente mas recebemos entre 250 e 300 por dia. 0 problema é que o índio doente vem acompanhado de dois, três parentes, e a gente tem que atender a todos.
2 - Só Isso explica a superlotação?
Não. Manaus é termômetro do interior do Estado. Se estamos com muita demanda, que vai desde tratamento dentário até operações complexas, é sinal de que o atendimento básico nas outras cidades não está funcionando. Além disso, a gente recebe pacientes de outros Estados, como Acre e Roraima. E no projeto, a Casa do Índio deveria servir como hospedagem e enfermaria para pacientes com problemas de saúde apenas de média e alta complexidade.
3 - Qual os maiores problemas da Casa?
Falta de verbas, a burocracia estatal. Temos seis carros, dos quais três estão quebrados, para percorrer 40 unidades de saúde,entre 15 portos e quatro aeroportos, 24 horas por dia. E temos apenas 80 funcionários. O último concurso público, no qual eu fui nomeada, aconteceu em 1996.

A Crítica, 02/06/204, Cidades, p. C4

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