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MP nao impede o avanco da soja RR

OESP, Economia, p. B2
Autor: FUKUMA, Patrícia; GALVÃO, Anderson; CARVALHO, Vinicius
17 de Nov de 2004

MP não impede o avanço da soja

Patrícia Fukuma, Anderson Galvão e Vinicius Carvalho

Ao editar a Medida Provisória n.o 223 liberando a comercialização da soja transgênica da safra 2004/05, o governo novamente trata a biotecnologia de forma ideológica e não técnica. Mais uma vez desconsidera a recente decisão do Tribunal Regional Federal que atestou a constitucionalidade da Lei 8.974/95 (Lei de Biossegurança) e a competência da CTNBio como órgão decisório nas questões sobre OGMs. A MP editada praticamente repete os termos da anterior, sem considerar que naquela época a situação jurídica era muito distinta da atual.
O resultado é um instrumento que só privilegia o uso de sementes obtidas à margem da lei e que impede a venda de cultivares nacionais registrados no Ministério da Agricultura e que poderiam ser comercializados legalmente. A MP desconsidera questões de fitossanidade e riscos decorrentes da ilegalidade do produto brasileiro no mercado internacional. Apesar de estabelecer permissão de registro no Registro Nacional de Cultivares (RNC) de variedades nacionais convertidas com a tecnologia RR, veda a comercialização dessas mesmas variedades. O que significa ou vale, então, tal registro? Por outro lado, esse é um forte indicativo de que o governo tentou agir de forma racional, visando liberar a venda de sementes no mercado brasileiro. Manobras de bastidores de última hora parecem ter impedido a liberação comercial de sementes da soja GM e, provavelmente, essas manobras foram lideradas por grupos do próprio governo que, ao agir de maneira aparentemente ideológica, mais uma vez puseram em risco o agronegócio do Brasil. Na véspera da edição da MP havia fortes indicativos de que variedades comerciais de soja com tecnologia RR poderiam ser vendidas no mercado nacional, desde que registradas no RNC. E mais uma vez repetindo disparates anteriores, o instrumento governamental estabelece um prazo para a comercialização da safra de soja transgênica. Mas por que - se a soja GM é, de acordo com a MP, segura para comercialização e consumo até um determinado período - deixará de sê-lo depois de 31 de janeiro de 2006?
Apesar das repetidas incoerências estabelecidas por MPs, que tentam resolver situações que não são pontuais, mas sim irreversíveis, da falta de uma política clara sobre biossegurança e, principalmente, da exposição a riscos decorrentes da "legalização do ilegal", a área cultivada com a soja RR continua se expandindo no Brasil. Estimativas preliminares da Céleres, empresa de consultoria em agronegócio, apontam um crescimento bastante significativo na área cultivada com soja GM no Brasil, em relação à safra anterior. Projeta-se, para a safra atual e com estimativas conservadoras, cultivo de 4,5 milhões de hectares com soja RR. Estimativas mais realistas da Céleres indicam que serão plantados no Brasil cerca de 6 milhões de hectares com soja GM. Essas projeções significam, no mínimo, crescimento de 50% em relação à safra anterior ou mesmo a duplicação da área, estimada em 2003/04 em torno de 3 milhões de hectares. Ou seja, o Brasil deverá colher na safra que se aproxima algo entre 10,1 milhões e 13,2 milhões de toneladas de soja RR que deverão ser comercializadas sem segregação, da mesma forma que ocorre nos outros dois principais países produtores, Estados Unidos e Argentina. A diferença básica reside no fato de que em ambos a comercialização de sementes é legalizada, enquanto no Brasil a falta de coragem e de transparência favorece a pirataria, o não pagamento dos direitos de propriedade intelectual e põe o produto brasileiro em risco no mercado internacional. As medidas fitossanitárias no agronegócio mundial representam, atualmente, tanto a principal ameaça, quanto uma das principais oportunidades.
A impressão que se tem pela redação desta MP é que falta ao governo determinação suficiente para estabelecer diretrizes sensatas para a biotecnologia agrícola no Brasil, para definir de vez uma legislação que seja exeqüível e clara e não burocratize mais um processo que por si só é extremamente burocratizado. E também não seja objeto de politicagem e acomodações de situações de disputas de poder, que parecem ter no agronegócio nacional um de seus principais alvos. A avaliação da MP recém-editada mostra muitas incoerências e existem preocupações em relação ao substitutivo da Lei de Biossegurança parado no Congresso Nacional. O trabalho do relator, senador Ney Suassuna, poderá ser destruído ao voltar para a Câmara se lá prevalecerem as manobras políticas, travestidas de preocupações ambientais, que não resultam em outra coisa a não ser prejuízos econômicos ao Brasil.

OESP, 17/11/2004, Economia, p. B2

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