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Autor: CHIARETTI, Daniela
08 de Jul de 2022
Movimentos socioambientais da Amazônia propõem moratória para empreendimentos energéticos na região
Consenso entre organizações civis e setor privado conclui que região passa por retrocesso sem precedentes, com desmatamento em alta, violência e ameaças a defensores ambientais e povos indígenas
Daniela Chiaretti
08/07/2022
Movimentos sociais da Amazônia e representantes do setor privado reunidos esta semana no Pará, em encontro do Fórum Amazônia Sustentável (FAS), convergem em um ponto: a situação da região é de um retrocesso sem precedentes, com desmatamento em alta, ao lado da violência e ameaças aos defensores ambientais e povos indígenas.
O Fórum Amazônia Sustentável é um espaço inédito de diálogo intersetorial que discute a situação atual e o futuro da Amazônia. Foi criado em 2007, em anos em que o desmatamento voltava a ter tendência de alta, para estimular o diálogo, naquele momento, entre o setor privado e movimentos sociais.
Ficou ativo até 2013. "Então entrou em uma fase de dormência", diz Adriana Ramos, do comitê organizador do FAS. "Era um momento em que políticas públicas davam conta de algumas questões da região".
Com o governo Bolsonaro, contudo, este quadro se reverteu. "Tínhamos a intenção de fazer um encontro em 2019, mas a pandemia adiou os planos", diz Adriana.
A edição desta semana reuniu 70 pessoas em Alter do Chão, no Pará, como representantes do Greenpeace, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e do Conselho Indígena de Roraima (CIR) ao lado de Natura, Ethos, Fundo Vale, e Agropalma.
Uma das coalizões, o GT Infraestrutura, redigiu uma carta à sociedade com sugestões para uma infraestrutura voltada para a Amazônia e não na Amazônia. Propõe, por exemplo, uma moratória para novos "grandes empreendimentos energéticos na região amazônica".
Temas centrais da discussão foram os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, as ameaças a quem defende temas socioambientais e a terra, o ordenamento territorial com foco em destinar terras públicas ainda sem definição e a economia da sociobiodiversidade a partir da floresta em pé.
"O Fórum debateu a situação crítica que a Amazônia vive hoje, tanto do desmatamento como da explosão das atividades ilegais. As discussões olharam para frente, partindo do diagnóstico de que, do jeito que está, não dá para continuar. O encontro discutiu a agenda da sustentabilidade na Amazônia e o enfrentamento da ilegalidade", explica Adriana.
O evento reuniu várias iniciativas coletivas que trabalham sobre a Amazônia como Concertação para a Amazônia, Coalizão Brasil Clima e Amazônia 2030. "A característica do Fórum é esta: reunir diferentes processos coletivos de discussão sobre a Amazônia e os movimentos sociais", explica Adriana, que é assessora Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental.
Estudos do projeto Amazônia 2030 mostram que desmatamento e atividades ilegais não agregam benefício à sociedade. "Portanto, não é possível tolerar estes tipos de atividades, sob pena de colocar a Amazônia em um processo ainda mais acelerado rumo ao ponto de não retorno, quando a floresta não consegue mais se regenerar. Este é um consenso no Fórum"
"O Fórum se rearticula em um momento em que há um vácuo de ação integrada na Amazônia e de promoção de sustentabilidade, no rastro do desgoverno", diz ela.
No início do encontro, o GT Infraestrutura - uma coalizão de organizações nacionais e locais, ambientalistas e movimentos sociais - debateu os principais vetores do desmatamento da Amazônia pela ótica da infraestrutura, buscando acumular informações e desenhar alternativas.
"O importante é que a infraestrutura seja definida a partir dos interesses da sociedade, na perspectiva de construção de uma economia diferenciada que conviva com a floresta", diz Sérgio Guimarães, secretário-executivo do GT Infraestrutura.
"A floresta abastece as comunidades, estabiliza o clima, é o alimento e a via de transporte, é a própria infraestrutura", afirma. Ele lembra que, até agora, o modelo de infraestrutura adotado foi o de abrir estradas e construir grandes hidrelétricas "que estão aqui e não atendem a população local, mas são feitas para levar energia ao Sudeste e Sul".
"É preciso ter internet na Amazônia e construir uma rede de serviços que leve saúde e educação, conexão entre as pessoas, energia", diz Guimarães. Ele lembra que a energia da usina de Tucuruí era levada por um linhão que passava sobre ou ao lado das moradias de 12 mil famílias que viveram 26 anos à luz de lamparinas.
Lideranças munduruku presentes ao evento pediram estudos sobre mineração e seus impactos na Amazônia. Uma análise já feita pelo GT Infraestrutura foi o impacto das mudanças climáticas nas cidades da Amazônia, muitas delas ribeirinhas.
O GT Infraestrutura elaborou no encontro a "Carta de Alter", com propostas de infraestrutura para a Amazônia e não apenas na Amazônia. "O GT Infraestrutura tem clareza que a floresta é a principal infraestrutura da Amazônia", diz o texto.
O documento elenca 16 propostas. A primeira é retomar as ações de comando e controle para acabar "com essa cultura onde o ilegal é legal". O segundo ponto é garantir a aplicação de políticas de proteção aos defensores da floresta.
Outro é discutir um novo modelo de logística para a Amazônia, repensando prioridades e incluindo a avaliação de alternativas. Uma proposta é a de revisar os projetos de infraestrutura de logística de transportes de carga previstos no Programa de Parceria de Investimentos, além de fortalecer políticas públicas de planejamento e licenciamento ambiental para obras de infraestrutura.
Adotar políticas de incentivo para o aumento da mini e microgeração distribuída na região amazônica "enquanto não houver a revisão do Plano Nacional de Energia à luz dos compromissos climáticos do país", diz o texto.
Uma outra ideia é a de estruturar um plano integrado de combate ao garimpo em terras indígenas. Outra é responsabilizar instituições financeiras e empresas "para que tenham a obrigação de assumir compromissos e mecanismos robustos a respeito dos direitos humanos, da proteção ambiental e da construção de uma economia sustentável".
Uma das sugestões é a de usar o BNDES para apoiar pequenos produtores na economia da sociobiodiversidade. "É preciso voltar a ter gestão ambiental da Amazônia no próximo governo, com a retomada de políticas de comando e controle e a garantia de direitos como base fundamental para se avançar na forma diferenciada de se tratar o desenvolvimento da região", diz Adriana.
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