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Movimentos sociais tentam seduzir Lula

CB, Política, p. 2
14 de Dez de 2006

Movimentos sociais tentam seduzir Lula
Apesar de o presidente garantir que "brincou" ao dizer que é de "centro", representante da CUT diz que cabe às entidades populares pressionarem para que o governo invista mais em avanços para os excluídos

Helayne Boaventura
Da equipe do Correio

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no centro de um cabo-de-guerra. De um lado, aqueles que exigem cortes de gastos para promover o crescimento. Ontem, Lula recebeu o outro lado dessa disputa, que pressiona por mais investimentos na área social: representantes de movimentos populares. Dirigentes de 34 entidades apresentaram um documento que cobra mudanças na política econômica e avisaram que pressionarão para que o governo faça uma inflexão à esquerda. Lula não deu respostas às reivindicações. Mas prometeu fazer um segundo mandato diferente do primeiro. Avisou que tentará fugir da "mesmice" e, no início da noite, disse ser apenas uma brincadeira não ser mais de esquerda.

A declaração do presidente esta semana de que está "no centro" preocupou os integrantes dos movimentos sociais. "Toda vez que alguns setores da sociedade quiserem puxar o governo para o centro, cabe aos movimentos sociais o puxarem de volta para a esquerda", avisou o secretário de relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício. "Ele (Lula) pode ter essa posição (de centro), mas o governo foi eleito por uma base de esquerda. Vamos disputar espaços no governo com setores ligados ao capital financeiro", reforçou o coordenador nacional do Movimento Sem-Terra (MST), João Paulo Rodrigues. "Este é o ano, agora não tem mais desculpa porque não tem segundo mandato. Acabou a fase do movimento chapa branca."

Na segunda-feira à noite, ao ser homenageado pela revista IstoÉ, Lula fez uma brincadeira sobre a posição ideológica das pessoas ao longo da vida: "Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas. Se você conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque também tem problemas", disse. Ontem, Lula reagiu irritado à repercussão negativa de sua afirmação, especialmente entre integrantes históricos da esquerda brasileira. "Eu acho que as pessoas perderam o humor. Me desculpe, mas eu acho que a falta de humor é uma coisa que o país não pode perder. Eu fiz uma brincadeira. Lamentavelmente parece que tem gente no Brasil que não gosta mais de humor ou seja, que humor é pecado. Nem uma boa brincadeira é considerada uma brincadeira", rebateu, visivelmente insatisfeito.

Guinada
A forma como os movimentos sociais exigem que o governo dê uma guinada à esquerda foi sintetizada em uma pauta que arrepiaria os aliados mais conservadores do governo. O documento contém reivindicações recorrentes como a participação em conselhos de empresas estatais, no Conselho Monetário Nacional (CMN) e no Conselho de Política Monetária (Copom), que define a taxa básica de juros do país. Além de cobrar reajuste para o salário mínimo, mudanças na política de juros, de câmbio, no superávit primário, o texto defende propostas como "penalizar os setores que mais lucram na economia", taxar grandes fortunas e até impedir que o BNDES financie plantações de eucaliptos "que só geram problemas ambientais".

Lula, que exibia uma gripe renitente no encontro de pouco mais de duras horas, evitou se comprometer com as reivindicações. Avisou, porém, que irá se esforçar para fazer um segundo mandato diferente do primeiro. Ele lembrou que neste governo foi insistentemente comparado com os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Agora, avaliou, a população exigirá que ele faça um governo melhor do que o primeiro mandato.

Inflação
No encontro, o presidente falou por mais de meia-hora e repetiu o tema preferido desde que foi eleito. Ele relatou que trabalha em medidas para "destravar" a economia. O verbo foi citado pelo menos sete vezes durante o discurso feito na reunião. Lula avisou que fará de tudo, "custe o que custar", para fazer com que a economia cresça a pelo menos 5% no próximo ano, sem a retomada da inflação. A frase assustou especialmente os integrantes dos movimentos indígenas, que já foram apontados como um dos entraves ao andamento de obras consideradas prioritárias pelo governo: a usina de Belomonte, no Pará, a hidrelétrica no Rio Madeira e o gasoduto Coari-Manaus. Eles temem que o governo atropele o meio ambiente e populações nativas para fazer grandes obras. "Nós queremos que ele explique melhor isso. Não queremos que nosso território seja inundado", avaliou, preocupado, o representante do Fórum Nacional de Dirigentes Indígenas, Jesinaldo Saterê Mauê.

Em compensação, os integrantes dos movimentos sociais ficaram satisfeitos com o discurso do presidente sobre reforma da Previdência. Lula avisou que pretende montar um fórum, como o Fórum Nacional do Trabalho, que discutiu a reforma trabalhista, para debater as mudanças que forem necessárias na área previdenciária. O presidente garantiu que não pretende enviar ao Congresso projeto de reforma para retirar direitos dos trabalhadores se as medidas não forem decididas em consenso. "Quando fala em reforma da previdência, precisa pensar a reforma para a próxima geração, porque não pode mexer em direitos adquiridos", explicou o presidente, à noite, no Palácio do Planalto, após participar de uma cerimônia sobre construção civil.

Segundo o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci, a intenção do governo é tomar medidas administrativas para controlar o déficit nas contas previdenciárias. "A posição do presidente é clara. O governo não vai propor uma reforma constitucional da Previdência. Vai propor uma reforma administrativa do setor, combatendo as fraudes e melhorando a gestão."

Recados do presidente

Segundo mandato
Lula garantiu aos movimentos sociais que deseja fazer um segundo mandato diferente do primeiro. Avaliou que o primeiro mandato foi comparado aos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Mas que agora, a população o cobrará a ser melhor do que foi no seu primeiro mandato, e avisou que irá fugir
da "mesmice".

Reforma da Previdência
O presidente informou aos movimentos sociais que não pretende enviar ao Congresso um projeto para reformar a Previdência Social que retire direitos dos trabalhadores. Ele avisou que pretende criar um fórum com representantes dos trabalhadores e dos empregadores para discutir o tema, à semelhança do que ocorreu no Fórum Nacional do Trabalho, que debateu a reforma trabalhista. Lula garantiu que só irá propor uma reforma da Previdência se houver consenso entre todos os setores ligados ao tema.

Crescimento
Lula voltou a dizer que sua principal preocupação é adotar medidas para "destravar" o país e que fará isso "custe o que custar". Ele reclamou que deseja fazer obras consideradas prioritárias, como a usina de Belomonte, no Pará, e o gasoduto Coari-Manaus, mas que as obras sofrem entraves no Ministério Público, no Judiciário, e no Executivo, em órgãos como Ibama e Funai. O presidente voltou a dizer que as medidas nas áreas fiscal e de infra-estrutura são mais importantes neste momento do que escolher a equipe do próximo governo. Ele também repetiu que pretende estimular o crescimento econômico com distribuição de renda.

Ineficiência
Aos dirigentes de movimentos sociais, o presidente reclamou da burocracia e da ineficiência da máquina pública. Lembrou que já ordenou algumas medidas, que deixaram de ser cumpridas. Chegou a brincar que ser presidente é uma tarefa difícil.

Salário mínimo
O presidente não informou aos movimentos sociais se aceita elevar o valor do salário mínimo acima dos R$ 375 aprovado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso esta semana. Avisou somente que no segundo mandato deseja que o salário mínimo ajude a promover distribuição de renda.

Política
Lula contou que pretende montar uma coalizão política estável e que não quer repetir os erros cometidos no primeiro mandato.

CB, 14/12/2006, Política, p. 2

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