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Movimento indígena internacional debate conhecimentos tradicionais

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
16 de Fev de 2004

Reunidos em São José, na Costa Rica, de 6 a 10 dezembro, mais de cem lideranças indígenas e representantes de organizações não-governamentais da África, Ásia e América discutiram formas de implementar acordos e compromissos internacionais que reconheçam direitos aos conhecimentos tradicionais e protejam as florestas no mundo. O evento foi organizado pela Aliança Internacional de Povos Indígenas e Tribais das Florestas Tropicais e algumas organizações indígenas daquele país.

Os participantes aprofundaram as discussões sobre vários estudos de caso e elaboraram dezenas de recomendações dirigidas aos diferentes fóruns da Organização das Nações Unidas (ONU) e aos governos nacionais. Ao final da reunião, foi elaborada a Declaração dos Povos Indígenas (confira no quadro abaixo).

A preocupação com o tema partiu da percepção do movimento indígena internacional de que não basta apenas criar leis e convenções, mas é preciso também colocá-las em prática. O diagnóstico foi feito a partir de dezenas de pesquisas realizadas em vários países que apontam um abismo entre o que está no papel e a realidade concreta, especialmente no que se refere aos princípios estabelecidos pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e pelo Fórum de Florestas das Nações Unidas (FFNU).

Para as organizações presentes à reunião, o ISA entre elas, o principal obstáculo identificado para a implementação dos direitos de povos indígenas reconhecidos internacionalmente seria a falta de vontade política dos Estados nacionais em estabelecer políticas efetivas para o exercício e a consolidação desses direitos.

Privatização das florestas e desrespeito ao direitos dos povos

Segundo os participantes do encontro, a aprovação de leis de concessão florestal em alguns países também estaria estimulando a privatização de florestas e a expansão de monoculturas florestais, como o eucalipto e a acácia. A tendência sinalizaria a priorização da vocação econômica das florestas em detrimento dos usos e sentidos culturais defendidos pelos povos indígenas, verdadeira ameaça aos conhecimentos tradicionais.

Por outro lado, a criação de unidades de conservação de proteção integral, onde não é permitida qualquer interferência humana, também vem causando violações reiteradas dos direitos humanos, resultando, muitas vezes, na remoção forcada de grupos e comunidades e na restrição ao uso dos recursos naturais da parte deles.

Além da garantia do direito sobre suas terras, os representantes do movimento indígena consideram que é fundamental assegurar a possibilidade de autorizar ou não, mediante o chamado "consentimento prévio informado", qualquer atividade no interior de seus territórios, seja a pesquisa científica ou atividades de exploração econômica.

Outra conclusão tirada da reunião é que o sistema de direitos de propriedade intelectual, atualmente inspirado em tratados da Organização Mundial de Comércio (OMC) e da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), não é adequado para a proteção de conhecimentos tradicionais, na medida em que se baseia na noção de direitos exclusivos individuais. Os povos indígenas consideram que seus conhecimentos sejam tratados como patrimônio cultural coletivo, sobre o qual não pode haver apropriação exclusiva.

Reunião Preparatória Indígena

Reunião de Especialistas sobre Conhecimento Tradicional Relacionado a Florestas

6-7 de Dezembro, 2004

San Jose, Costa Rica

Declaração de Corobici
Preâmbulo

Nós, os povos indígenas reunidos em São José, Costa Rica, reafirmamos os princípios contidos na Declaração de Kari Oca, na Declaração de Letícia, na Declaração de Kimberly e o Plano de Ação dos Povos Indígenas para o Desenvolvimento Sustentável, e o Plano de Ação de Wendake. Através de uma série de ações, como a defesa comunitária das florestas, as consultas nacionais, a documentação de estudos de caso e a aplicação do conhecimento indígena, os povos indígenas estão contribuindo com a gestão sustentável das florestas e sua proteção.
Os povos indígenas aportam soluções concretas a muitas das questões que hoje enfrenta a humanidade, e reforçando o papel dos povos indígenas através de uma participação efetiva em áreas como a gestão de florestas e o desenvolvimento sustentável, os povos indígenas podem contribuir significativamente para um futuro sustentável a toda a humanidade.
Estamos indignados pela deterioração acelerada de nossas terras, territórios, florestas, água e subsolo, e pela contínua violação de nossos direitos. O livre acesso e uso de nossas terras, florestas e águas é impedido. A titulação de nossas terras é postergada para favorecer a terceiros. Áreas protegidas, concessões pesqueiras, petroleiras e minerais, e plantações florestais se sobrepõem, resultando em expulsão e restrições a nossos povos. Líderes e comunidades que defendem suas florestas aso arbitrariamente presos e reprimidos. A luta por nossos direitos é criminalizada e nossos territórios são militarizados. É alarmante a impunidade e a multiplicação de casos, como foi apontado pelas lideranças e especialistas reunidos.
Expressamos nossa preocupação profunda pela atitude dos organismos das Nações Unidas e dos governos de tratar de maneira fragmentada o tema de conhecimentos tradicionais, negando a natureza holística dos mesmos e sua unidade indissolúvel com nossos direitos coletivos como povos.
Preocupa-nos que os processos nacionais e internacionais relacionados com os tratados de livre comércio entre os estados propiciam a usurpação e degradação de nossas florestas, terras e territórios, assim como a biopirataria e acesso descontrolado a recursos genéticos em nossas florestas, terras e territórios.
Os maiores obstáculos para a implementação dos mecanismos e normas internacionais relativos aos direitos e liberdades fundamentais dos povos indígenas são a falta de vontade política dos estados nacionais, as leis injustas e discriminatórias, e a ausência de fundos adequados e recursos necessários para o desenvolvimento autônomo e a participação plena dos povos indígenas em todos os processos.
O Conhecimento Tradicional Relativo a Florestas (CTRF) dos povos indígenas está intrinsecamente ligado a nossa vida. Não se pode separa-lo de nossa relação com nossos territórios. Queremos mencionar de maneira especial os valores espirituais, visões de mundo e cosmologias únicas dos povos indígenas, que estão todos interconectados com a sagrada rede da vida, e enriquecem a diversidade cultural de toda a humanidade. Não há conhecimentos sem povos e territórios.
O Conhecimento Tradicional Relativo a Florestas dos povos indígenas não é uma mercadoria. Não se pode extrair, documentar ou comerciar. Está unido a nosso desenvolvimento cultural intergeracional, sobrevivência, crenças, espiritualidade, e sistemas medicinais. É inseparável de nossas terras e territórios. Seu uso está confinado a pessoas com a necessária autoridade para usá-lo de acordo com nosso direito consuetudinário.
Nosso conhecimento tradicional é muito mais do que o simples conhecimento sobre algumas plantas e animais. Está intimamente unido com o mundo espiritual, os ecossistemas e a diversidade biológica de nossas terras e territórios, e ultrapassa as fronteiras nacionais. A apropriação fragmentada desse conhecimento significa uma profunda violação à integralidade de nossas vidas, territórios e desenvolvimento autônomo.
Por todo o exposto, exigimos novamente o reconhecimento dos seguintes princípios em todas as políticas florestais e assuntos relacionados com CTRF:

Princípios Gerais

Os povos indígenas tem o direito a livre determinação. Possuímos sistemas legais e jurídicos a partir de um regime de direitos coletivos sobre nossos territórios e os recursos naturais, incluindo os recursos do subsolo.
A aplicação do princípio do consentimento prévio, livre e informado é fundamental em qualquer decisão que possa afetar a nossos territórios, terras, florestas e nosso plano de desenvolvimento.
O tema de conhecimentos tradicionais deve ser tratado de maneira holística e inseparável de nossos direitos como povos.
Somos possuidores e guardiães do conhecimento indígena, e aqueles que decidem a natureza de seu uso e aplicação, e as condições em que se pode acessá-los ou não. Opomo-nos a um uso que viola a espiritualidade e cosmovisão sobre nosso conhecimento tradicional.
Apoiamos um enfoque baseado nos direitos como a forma mais adequada para tratar o tema de florestas e conhecimentos tradicionais, bem como com esforços para a eliminação da pobreza. Tal enfoque reconhece os direitos coletivos e individuais dos povos indígenas, como o direito à livre determinação, ao uso e controle dos recursos naturais, ao patrimônio cultural, ao auto-desenvolvimento, a nossas línguas e a nossos modos e meios de vida tradicionais.
Temos direito a um desenvolvimento que seja apropriado e adequado a nós, em nossos próprios termos e condições, a nosso próprio passo e ritmo, gerido e guiado por nossas próprias autoridades, instituições e processos. O direito a usar nossas florestas, água e subsolo, que temos protegido e utilizado sustentavelmente durante séculos, da forma que acreditamos adequada, incluindo sistemas contemporâneos e inovadores de uso e gestão das florestas, é parte de nosso direito ao desenvolvimento.
Enfatizamos a necessidade de fortalecer o papel fundamental das mulheres indígenas na preservação e transmissão do conhecimento tradicional. Da mesma forma, reconhecer o papel dos anciãos e guias espirituais como possuidores e transmissores dos conhecimentos tradicionais às novas gerações.

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