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Mostra encontra Brasil anterior a Cabral

OESP, Caderno 2, p. D12
14 de Out de 2004

Mostra encontra Brasil anterior a Cabral
'Antes: Histórias da Pré-História', no Rio, reúne 300 peças indígenas datadas de até 50 mil anos

Beatriz Coelho Silva

RIO - Quem pensa que Brasil começou a existir quando Pedro Álvares Cabral chegou não pode perder a exposição Antes: Histórias da Pré-História, no Centro Cultural Banco do Brasil. O acervo, de instituições brasileiras e estrangeiras, reúne 300 peças feitas pelos antepassados dos povos que os portugueses encontraram aqui. São objetos de pedra e cerâmica, crânios humanos e de animais, datados de até 50 mil anos atrás, que evidenciam o completo domínio da tecnologia necessária para fazê-los, contrariando a idéia imposta pelo colonizador europeu de que os povos a quem eles chamaram de índios só dominavam as técnicas rudimentares indispensáveis à sobrevivência humana.
"É uma idealização injusta, até mesmo porque ignora a diversidade entre os grupos. Esses objetos comprovam a capacidade de essas pessoas resolverem seu cotidiano e transmitirem conhecimento. Cada elemento dos objetos marca um dado da memória e nada é gratuito ou facilitado", lembra a arqueóloga Anne-Marie Pessis, curadora da mostra com a diretora da Fundação Museu do Homem Americano, de São Raimundo Nonato, no Piauí, Niéde Guidon, e da também arqueóloga espanhola Gabriela Martín. "É preciso corrigir essa idéia de que os índios brasileiros eram preguiçosos e não tinham uma cultura avançada. O negro começa a se livrar dessa pecha porque foi mais importante para a economia da colônia que o índio, que nunca se deixou escravizar."
Niéde Guidon é a estrela da mostra, pois luta bravamente, há quase 30 anos, para manter intacto o sítio arqueológico de São Raimundo Nonato, onde se encontrou o crânio humano mais antigo das Américas, datado de quase 12 mil anos e que estará em exposição. Segundo ela, esses antigos brasileiros tinham mais qualidade de vida que os atuais. "Eles viviam entre 35 e 45 anos, em grupos de no máximo 50 pessoas, espalhados por áreas grandes nas quais faziam um rodízio de uso. Cada casal tinha dois filhos, o que indica algum tipo de controle familiar, benefício do qual os excluídos de hoje não desfrutam", conta ela. "Eles dominavam a tecnologia necessária a seu bem-estar e, se hoje seus objetos parecem artísticos, é preciso lembrar que essa separação entre ciência e arte é muito recente."
Os artefatos expostos lembram peças de Pablo Picasso e outros artistas modernos, que nunca esconderam ter bebido na fonte da pré-história. É o caso do peixe de pedra do litoral sul do País, dos vasos antropomórficos do Pará ou das urnas funerárias marajoaras, que podem tanto ser vasos absolutamente simétricos, com desenhos que contam uma história ainda não decifrada, ou assumir formas humanóides. Há ainda projeções de pinturas rupestres e uma ante-sala com artefatos encontrados na Europa na mesma época, para mostrar que até um certo momento, seis mil anos atrás, o desenvolvimento do homem americano equiparou-se ao do que vivia do outro lado do oceano.
O designer da mostra Marcelo Dantas, que organizou também a exposição África, do ano passado, encanta-se com o material de que dispõe. "A pesquisa arqueológica é atraente porque um grupo enorme de cientistas se reúne em torno de um assunto e, no fim, encontra-se pura arte, como o que será mostrado aqui", teoriza ele. Mas Niéde lembra que esses estudos correm sérios riscos de serem interrompidos, especialmente no seu Estado, pois o convênio que ela mantinha com o governo francês foi interrompido e o brasileiro determinou que a pesquisa científica deve ser financiada pelos governos estaduais.
"Você pode imaginar que sobra muito pouco dinheiro no Piauí para isso", reclama ela que, mesmo assim, já formou arqueólogos, que estão trabalhando na montagem da exposição, e consequiu sensibilizar a população para a importância do material que ela preserva. "Foi difícil, mas hoje eles vêm que até a saída econômica para a região depende da preservação desse tesouro. A caverna de Lascot, na França, recebe 2 milhões de visitantes por ano. O Brasil inteiro recebe 4,5 milhões de turistas por ano."
Mas Niéde só reclama se provocada, pois prefere falar desses homens e mulheres pré-históricos que viveram aqui e deixaram marcas tão fortes até hoje. Segundo ela, em sua organização social eles eram caçadores e coletores, raramente havia agricultores e não domesticavam animais. Tinham uma vida tranqüila porque não sofriam os rigores do frio ou da seca e viviam em áreas de povoamento pouco denso. "Eram muito saudáveis também, pois não há, nos ossos achados, marcas de doenças ou cáries em excesso", descreve.
"Sua organização social evitava a violência, uma característica mantida até hoje pelos índios. Eles não brigam com os filhos, não superprotegem e no fim tudo dá certo."

Um espaço que brilha há 15 anos
Bem maior do que o previsto, o sucesso do CCBB carioca, inaugurado em outubro de 1989, ajudou a revitalizar o centro da cidade
RIO - Quando o Centro Cultural Banco do Brasil foi inaugurado, em 12 de outubro de 1989, o projeto era mudar o então decadente centro da cidade. Mas nem o otimismo mais delirante previu tanto sucesso: 7.800 mil pessoas passam diariamente pelo prédio que abrigou a matriz da instituição. "O público não pára de crescer e estudamos a ampliação", conta a gerente do CCBB, Yole Mendonça. "O jeito é criar sessões extras, horários alternativos e transmitir espetáculos e seminários em telões."
A receita do sucesso passa pela escolha do local, no centro, perto do metrô e no meio do trajeto de dezenas de linhas de ônibus que atravessam a cidade.
Mas a programação é fundamental. "Buscamos qualidade e diversidade", ensina Yole que, antes do Rio, esteve à frente do CCBB de Brasília. "Aqui se encontra a música e o teatro mais experimental e também os clássicos, arte de vanguarda e acadêmica, nacionais e estrangeiras."
Estrelas nacionais e internacionais como Fernanda Montenegro, Tom Jobim, Gabriel García Márquez, Tomie Ohtake passaram pelo CCBB, que nos revelou outras, como o poeta argentino Juan Guelman, a atriz Soraya Ravenle (que lá viveu Dolores Duran) e Flávio Bauraqui (que foi Cartola num musical e melhor ator do Festival do Rio), e alavancou carreiras de diretores como Bia Lessa e Gerald Thomas. Muita gente viu ali, pela primeira vez, obras do surrealismo, de Andy Warhol, Franz Weissman, Ismael Nery e de coleções seminais como a de Hélio Fadel. Isso vale para público de todas as idades, pois há visitas programadas para crianças e os mais velhos fizeram do local um ponto de encontro.
Iole Mendonça conta que a demanda dos produtores culturais é imensa. "Temos 1.100 propostas de espetáculos e eventos para 2005. Com essa oferta, é fácil montar boa programação", diz. "Mas o respeito ao público também conta, pois os espetáculos começam na hora, há conforto e nosso sistema de venda de ingresso desestimula o cambista. Agora, só nos falta um teatro maior, com 300 lugares." (B.C.S.)

OESP, 14/10/2004, Caderno 2, p. D12

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