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Mortes rondam luta para reconhecer quilombos

O Globo, O País, p. 10
05 de Jun de 2011

Mortes rondam luta para reconhecer quilombos
No Ceará e em Minas, líderes de comunidades tentam manter territórios mesmo sob ameaças de morte

Isabela Martin e Thiago Herdy

FORTALEZA e BELO HORIZONTE. Marcado pela concentração fundiária - com menos de 0,5% das propriedades ocupando quase metade de seu território -, o Maranhão foi o estado nordestino com maior número de assassinatos por conflitos no campo em 2010. Quatro morreram no ano passado e ao menos 27 estão marcados para morrer, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Nenhuma das vítimas está sob proteção, não há mandantes presos, e as apurações não andam.
A lista da CPT não deve parar de crescer. Em 27 de maio deste ano, reunido com a família para festejar seus 41 anos, Almirandi Madeira foi surpreendido com três tiros disparados por homens dentro de um carro estacionado na rua. O caso não está na relação da CPT. Almirandi sucede ao primo Flaviano Pinto Neto, assassinado com sete tiros, como líder da comunidade quilombola Charco, em São Vicente Férrer, a 280 quilômetros de São Luís. Flaviano lutava pelo reconhecimento do quilombo onde vivem há mais de cem anos.
Pelo assassinato de Flaviano, o fazendeiro Manoel de Gentil, foi preso e solto em menos de 24 horas. Na comunidade do Charco, há mais dez marcados para morrer.
- Essa ameaça foi muito forte por ter sido na minha casa. O meu temor é pelos meninos (de 10, 8 e 6 anos) que não podem se defender . Mas não tenho medo e vou permanecer até que o governo decida quem é o dono da terra - disse Almirandi.
Liderança do Quilombo Cruzeiro, em Palmeirândia, a 330 km de São Luís, Catarino dos Santos Costa, de 33 anos, diz que é triste ver tantos companheiros morrerem:
- O Brasil está sendo injusto demais com as comunidades quilombolas. Até quando? A escravidão ainda não acabou.
Entre 2009 e 2010 houve um crescimento acentuado de conflitos no Maranhão, passando de 112 para 199 (77,7% a mais). Dessas, 170 são lutas em comunidades quilombolas, ribeirinhas ou assentamentos. Em número de ameaçados, o estado fica atrás só de Amazonas e Pará.
A CPT denuncia a omissão dos governos e da Justiça.
- O que está acontecendo no Maranhão é extermínio, genocídio, etnocídio - afirmou o coordenador da CPT no Maranhão, Padre Inaldo Serejo.
Segundo ele, populações que ocupam terras há mais de uma centena de anos estão sendo expulsas, têm casas destruídas, plantações queimadas e até a água envenenada.
Em MG, quilombo pode dar lugar a apartamentos
Em Belo Horizonte, um projeto bilionário voltado para a construção de 75 mil apartamentos nas próximas décadas virou fonte de ameaças contra a líder quilombola Ione Maria Oliveira, de 43 anos, que luta para garantir a demarcação da área pertencente ao Quilombo Mangueiras, incluída no projeto. A prefeitura quer garantir em dois anos pelo menos três mil apartamentos para turistas na Copa do Mundo. A comunidade pressiona o Incra para que seja oficializada a titulação da área que pleiteiam, estimada em aproximadamente 20 hectares, dez vezes mais do que previsto pela prefeitura (dois hectares).
Ione foi ameaçada pela primeira vez em março do ano passado, através de telefonemas anônimos e cartas. O agressor pedia que entregasse o mapa original e outros documentos que comprovam o comércio de terras entre a escrava Maria Bárbara de Azevedo e os donos da Granja Werneck. De acordo com especialistas ouvidos pelo GLOBO, embora não sejam os únicos elementos a subsidiar a luta dos quilombolas, os papéis dão força ao pleito.
As ameaças levaram à inclusão do nome de Ione na lista de ameaçados da CPT. Ela foi incluída no programa de proteção aos defensores de direitos humanos, mas reclama que precisaria se mudar para um dos abrigos do programa. Preferiu ficar em casa e buscou forças no candomblé. Ela diz que a polícia nunca concluiu a investigação do caso.
- Este ano não recebi mais ameaças. Não vou parar de brigar para salvar o meu território, para minha comunidade ter onde morar. Prefiro morrer fazendo justiça do que morrer na mão de alguém fazendo injustiça.
Procurada para esclarecer o projeto imobiliário, a prefeitura de BH não retornou.

'É preciso enfrentar a impunidade'

Evandro Éboli

MARIA DO ROSÁRIO
A ministra dos Direitos Humanos diz que para reduzir a impunidade é preciso agilizar e melhorar os inquéritos policiais. O governo quer localizar nomes da lista da CPT.

Como avalia a situação de violência?
MARIA DO ROSÁRIO: As mortes no campo são um fenômeno gravíssimo, uma brutal violação dos direitos humanos. Queremos reverter isso com a presença efetiva do Estado e apoiar iniciativas estaduais. Há compreensão firme do governo que é preciso enfrentar a impunidade. Isso significa agilizar inquéritos policiais e processos e fazer com que sejam bem instruídos, para que exista responsabilização. Levantamento de ouvidorias dos Direitos Humanos e Agrária aponta grande número de casos não investigados.
A CPT entregou uma lista de ameaçados.
ROSÁRIO: Foi a primeira vez que, como governo, tomamos iniciativa de buscar movimentos e trazer essas informações. Agora, não é possível existir essa lista dessa forma, sem que fossem analisados dados das pessoas ameaçadas. O que recebemos da CPT foram dados gerais, de dez anos para cá. Não tem endereço, informações gerais.
O que será feito a partir da lista?
ROSÁRIO: Estamos fazendo o cruzamento de dados, a situação de cada um, casos recorrentes, denúncias mais efetivas. Nenhuma dessas pessoas tinha pedido inclusão em programa de proteção do governo federal. Estamos invertendo, indo atrás. O ingresso no programa é por solicitação das pessoas. Reunimos técnicos capacitados para identificar as situações.
Como se dá a identificação dos reais ameaçados?
ROSÁRIO: Com os governos estaduais, estamos identificando as pessoas em situação iminente de risco. Se há ameaça de fato de morte, há a possibilidade, ainda que provisoriamente, de ser oferecido que a pessoa deixe o local de atuação, uma medida excepcional. O trabalho ostensivo para enfrentar grupos criminosos, como roubo de madeira e grilagem de terra, vai diminuir as ameaças.
A sra. afirmou que a proteção 24 horas não é a única medida de proteção.
ROSÁRIO: Realmente não trabalhamos exclusivamente com um programa com escolta 24 horas por dia, nove policiais por pessoa para cada um dos ameaçados. Seria um contingente maior que o da Polícia Civil do Rio e do Pará também. Seriam 15 mil policiais para 1.850.

O Globo, 05/06/2011, O País, p. 10

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