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Morte em Roraima

CB, Brasil, p.14
09 de Jan de 2004

Morte em Roraima
Começa a faltar combustível em Boa Vista por causa do bloqueio das pistas. Uma pessoa morreu ao passar mal em uma barreira montada na BR 174 por índios e fazendeiros contrários a demarcação de reserva indígena

Renata Giraldi e Ana Paula Macedo
Da equipe do Correio

O governador de Roraima, Flamarion Portela (sem partido), pedirá hoje ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que revogue a homologação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Em meio aos protestos, que já duram três dias, uma pessoa morreu ontem devido aos bloqueios nas estradas no estado. José Alberto Teixeira, de 41 anos, ia de táxi do Amazonas para Roraima quando foi parado em uma das barreiras da BR 174. Depois de passar mal, ele foi posto numa ambulância, mas morreu antes de ser atendido pelo médico.

No encontro com Lula, às 16h, Flamarion alegará que o estado perderá a maior parte dos R$ 70 milhões proporcionados anualmente pela produção de arroz na região e que há duas comunidades com 20 mil habitantes na área, que ficarão sem renda nem moradia se a reserva for homologada da forma que o governo federal planeja. Mas esses argumentos dificilmente serão aceitos pelo Palácio do Planalto. Principal negociador, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, também se reunirá hoje com o governador, os oito deputados federais e três senadores do estado. No encontro, ele dirá que a decisão de homologar a área indígena é definitiva.

Devido aos protestos em Roraima - que unem, de forma inusitada, índios e fazendeiros contrários à homologação da reserva Raposa Serra do Sol -, é cada vez maior o risco de desabastecimento na região. Por causa de bloqueios feitos nas principais rodovias (leia quadro à direita), o estado ficou praticamente ilhado. E provocou uma corrida de motoristas aos postos de combustíveis. Em alguns estabelecimentos, os tanques já estão vazios.

No meio da confusão, a única boa notícia foi a libertação dos padres Ronaldo Pinto França e César Avallaneda e do missionário espanhol Carlos Martinez. Os religiosos que eram mantidos reféns por índios e produtores rurais havia dois dias.

Além do governador, o protesto conta com apoio de policiais militares, empresários e uma pequena parcela de índios. Para pressionar ainda mais o governo federal, os manifestantes ameaçavam ontem à tarde fechar até mesmo o aeroporto de Boa Vista - o maior do estado. A Polícia Rodoviária Federal informa não ter meios para retirar centenas de tratores e carretas carregadas de óleo diesel e madeiras que impedem o trânsito nas rodovias.

Compensação
A disposição de Lula é homologar a demarcação da área e ao mesmo tempo adotar medidas compensatórias aos produtores das regiões de várzea dos municípios de Paracaima e Uiramutã. Estão sendo estudadas no Ministério da Justiça propostas como o pagamento de indenizações em dinheiro e doação de terras, apesar das manifestações contrárias. Ainda não estão definidos os termos dessas compensações. Por isso, o governo por enquanto não faz uma previsão de quando será efetivada a homologação da área.

Uma das alternativas em estudo é a cessão por parte de órgãos federais de terras para serem doadas aos produtores que, em muitos casos, estão há mais de duas décadas na região. Pelo menos inicialmente, a proposta não agrada ao governador de Roraima. Flamarion a considera inviável porque, na opinião dele, seria impossível avaliar os investimentos feitos pelos fazendeiros na região. Tampouco existiriam outras áreas de mesma qualidade agrícola no estado

Mal-estar
''A decisão anterior era de excluir esses limites, algo em torno de 150 quilômetros quadrados, num total de 1,7 milhão (de quilômetros quadrados) reivindicado. Esse seria o caminho ideal'', avalia o deputado Luciano Castro, coordenador da bancada parlamentar que discutirá o assunto hoje com o ministro da Justiça. ''Se for mantida dessa forma contínua, a homologação em nada resolverá a questão. E os protestos e o clima de tensão continuarão sem prazo para acabar'', afirma.

Mas as negociações ocorrem em um momento de fragilidade política do governador de Roraima diante do governo federal. Flamarion volta a conversar com Lula um mês depois de terem estourado as denúncias de que estaria envolvido no escândalo dos gafanhotos, esquema em que servidores fantasmas eram cadastrados na folha salarial do estado, e o dinheiro desviado para políticos locais. As acusações obrigaram o governador a pedir afastamento do PT, partido ao qual havia se filiado recentemente, e agora é alvo de investigações internas.

Apesar do mal-estar, o governador avisou, por meio de assessores, que busca uma solução negociada. Se não houver acordo, Flamarion poderá recorrer à Justiça: com a nova homologação, 46% do estado será de reservas indígenas. ''O restante é controlado pelo Ibama e pelo Incra. Sou governador de um estado virtual.''

ENTENDA O CASO
Área aguarda homologação

A reserva indígena Raposa Serra do Sol foi identificada como área indígena pela Funai em 1993, com uma extensão de aproximadamente 1,75 milhão de hectares
Na época, já havia cidades construídas no local

Em 1998, a área foi demarcada pelo governo como única e contínua. Isso significa que a reserva inclui as cidades que surgiram dentro de seus limites

A homologação da terra indígena ainda precisa ser assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Se a terra for homologada como contínua, como quer a Funai, os fazendeiros instalados dentro da área terão de sair. A maior parte são plantadores de arroz

Sob pressão

Desde a madrugada da terça-feira, manifestantes interromperam o trânsito de veículos nas rodovias BR-401, BR-174, e BR-432, que ligam a cidade de Boa Vista às fronteiras com Guiana e Venezuela e à cidade de Manaus

No mesmo dia, um grupo de 200 índios invadiu o prédio da Funai em Boa Vista. Na invasão, vidros das janelas e das portas foram quebrados. Em ação simultânea, produtores de arroz invadiram a sede do Incra em Boa Vista

CB, 09/01/2004, Brasil, p. 14

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