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Morte de índio cinta-larga continua sem investigação

Site do ISA- Socioambiental.org.-São Paulo-SP
Autor: Maria Inês Zanchetta
09 de Jan de 2002

A população de Aripuanã, distante 960 quilômentros de Cuiabá, norte de Mato Grosso, está com medo. Sente-se desamparada. Não é para menos. Desde que o índio Carlito Kaban Cinta-Larga foi assassinado dia 19 de dezembro com tiros na cabeça já se passaram dezessete dias e muito pouco ou quase nada foi feito para investigar as circunstâncias do crime. Líder indígena, filho do cacique Mario Parakida, da aldeia Taquaral, era ele quem negociava a madeira de seu pai com os madeireiros.

A caminhonete da qual Carlito tinha descido para abrir o portão de sua casa ao ser assassinado continua no mesmo lugar, sem vistoria e sem que qualquer perícia tenha sido realizada. Um inquérito foi instaurado, um delegado da Polícia Civil esteve na cidade tomando vários depoimentos e foi-se.

Até o dia 5 de janeiro, a Polícia Federal não havia enviado peritos ao local do crime. "As coisas estão mal-paradas por aqui, muito tensas. Parece que qualquer pessoa pode ser morta sem que nada aconteça", relata a indigenista Maria Inês Hargreaves. Ela estava em Aripuanã terminando a implantação de um projeto de saúde quando o assassinato aconteceu. Por conta disso, adiou sua volta à Brasília.

Distante 976 quilômetros da capital Cuiabá, Aripuanã tem pouco mais de 14 mil habitantes e destes cerca de 1200 são índios. Em 2001, Aripuanã foi desmembrado em dois municípios, dando origem ao município de Colniza. Ambos somam 65 mil quilômetros quadrados.

Há quatro terras indígenas (Tis)em Aripuanã e a aldeia de Carlito, a Taquaral, localiza-se na TI Aripuanã. Ali existem 268 índios dispersos ao longo de 11 aldeias em uma área de 750 mil hectares.

Filho do cacique Mario Parakida Cinta-Larga, Carlito tinha 28 anos, era pai de um filho de dois anos e sua mulher, que não é índia, está grávida. Ela é testemunha da emboscada e está apavorada.

"Todas as aldeias Cinta-Larga comercializam madeira e funcionam com o dinheiro que recebem por conta disso. Carlito negociava a madeira do pai Parakida", conta o antropólogo João Dal Poz, da Universidade Federal de Mato Grosso, que há 20 anos trabalha com os Cinta-Larga. Dal Poz acredita que a morte de Carlito foi queima de arquivo. "Ele era um negociador duro com os madeireiros e sabia demais."

Em setembro de 2001, Carlito fizera denúncias ao Ministério Público Federal contra a exploração ilegal de madeira em aldeias indígenas da região. Aliás, pouco resta ali de madeira nobre. "O mogno já acabou e a cerejeira e o ipê também estão escasseando", constata Dal Poz.

Depois das denúncias, a Polícia Federal mandou uma equipe à região para investigar mas não encontrou ninguém. Os agentes acharam apenas uma balsa e a afundaram a tiros. De pouco adiantou, já que na semana seguinte a balsa estava de novo em funcionamento.

Dias depois desse episódio, Parakida saiu para caçar com o povo da aldeia e encontrou equipamentos para extrair madeira como um trator skid. Sem hesitar, o grupo tocou fogo neles provocando a fúria dos madeireiros, que passaram a ameaçar Parakida de morte. "Porém, em vez do pai, o assassinado foi o filho, que era o negociador", diz Dal Poz.

Diante do descaso das autoridades, as pessoas estão assustadas, abandonadas à própria sorte e temem o pior. Na sexta-feira, dia 4 de janeiro, a reportagem do ISA procurou insistentemente por autoridades da Polícia Federal em Mato Grosso, para saber as providências que estavam sendo tomadas, mas em função das festas natalinas não encontrou quem pudesse prestar informações.

Mas, conseguiu falar com o Secretário de Estado de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, em Brasília, Paulo Sergio Pinheiro, que relatou já ter pedido informações por escrito às autoridades competentes do Estado de Mato Grosso. "Segunda-feira (07/01) vou falar com o ministro Aloysio Nunes Ferreira", afirmou. Paulo Sergio Pinheiro quer providenciar rapidamente o envio da Polícia Federal e de técnicos ao local e verificar o andamento do inquérito. "Também vou levar esse caso à próxima reunião do CDDPH, que deverá ocorrer depois de 20 de janeiro", garantiu o secretário.

Enquanto isso, só resta esperar que nada mais trágico aconteça em Aripuanã. Lideranças indígenas, vereadores e autoridades do município encaminharam em 24 de dezembro um abaixo-assinado (que em breve estará disponível no site do ISA para ser assinado por outros) ao presidente da Funai, Glênio da Costa Alvarez, solicitando providências.

"Com a morte de meu sobrinho estamos perdidos, sem assistência. Não sabemos quem foi, como foi", conta Paulo Kaban Parakida, com quem a reportagem do ISA conversou por telefone. "Meu irmão só fala em vingar o filho e em morrer e a polícia daqui não tem como investigar, precisam de ajuda".

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