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Morte de freira faz governo agir na questao fundiaria

JB, Pais, p.A2
15 de Fev de 2005

Morte de freira faz governo agir na questão fundiária

BRASÍLIA - O assassinato da missionária Dorothy Stang, de 74 anos, fez o governo federal sair dos gabinetes e agir para tentar pôr em prática um combate mais efetivo à violência nos conflitos fundiários da região amazônica. Oito ministros se reúnem hoje na Casa Civil para analisar os primeiros relatórios sobre a investigação do crime e desenhar os próximos passos do Planalto. Americana naturalizada brasileira, Dorothy foi morta com seis tiros no sábado de manhã, numa provável emboscada em Anapu, próximo a Altamira, no Pará.

Está em debate no governo a federalização das investigações, que passariam da alçada da Polícia Civil paraense para a Polícia Federal, e a criação de uma força-tarefa para acompanhar a apuração judicial, além de uma possível ampliação da presença das Forças Armadas na região do crime.

Participam do encontro os ministros José Dirceu (Casa Civil), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Marina Silva (Meio Ambiente), Ciro Gomes (Integração Nacional), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), general Jorge Félix (Segurança Institucional), Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo) e Nilmário Miranda (Secretaria dos Direitos Humanos).

A Polícia Federal já abriu inquérito paralelo ao da Polícia Civil do Pará para investigar o assassinato da missionária. Ontem, o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, seguiu para Altamira, cidade próxima a Anapu. Fonteles foi acompanhar a coleta de dados feita pela polícia para subsidiar o pedido de federalização das investigações, e esteve ao lado da consulesa americana Cristine Serrão. A solicitação será encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A medida seria possível por se referir a ''grave violação dos direitos humanos'', condição prevista na lei para a transferência de alçada, segundo o texto da reforma do Judiciário.

Para o ministro Nilmário Miranda, os resultados já obtidos com as investigações da Polícia Civil indicam que não há necessidade urgente de transferir o inquérito para a PF. Segundo ele, já existem indícios suficientes para se chegar aos assassinos da missionária. Nilmário deslocou-se no sábado para Altamira, com Marina Silva, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

De acordo com Thomaz Bastos, a prisão dos suspeitos deve ocorrer em questão de horas. A Justiça do município de Pacajá (PA) decretou ontem a prisão preventiva de quatro suspeitos de participar do assassinato da missionária americana.

Segundo dados da Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Pará apresenta os mais altos índices de violência no campo do país e o maior número de mortes por disputa de terras, como conseqüência de conflitos envolvendo a posse de áreas devolutas hoje usadas no programa de reforma agrária do governo. Levantamento realizado pela ouvidoria indica que, das 53 mortes registradas na área rural do país entre janeiro e novembro de 2004, 19 foram no Pará.

Durante o velório da missionária, ontem, em Altamira, houve protestos contra o assassinato. O enterro foi previsto para Anapu. De acordo com a ordem das Irmãs de Notre Dame de Namur, a freira manifestava o desejo de ser enterrada na cidade.

Embaixada dos EUA acompanha apuração

BRASÍLIA - O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, John Danilovich, afirmou ontem, em nota, que ''a embaixada dos EUA está acompanhando de perto'' a investigação do assassinato da missionária Dorothy Stang. O diplomata declarou-se ''entristecido e chocado'' com o crime ''brutal e insano''. Segundo ele, a embaixada ''sente-se encorajada pela rápida reação do governo brasileiro e da Polícia Federal''.
- Estamos confiantes de que haverá uma investigação completa e detalhada desse assassinato e que os responsáveis serão trazidos perante a Justiça - continua a nota.

No texto, Danilovich exalta a coragem da freira, ''que amava o povo brasileiro e que dedicou sua vida ao serviço daqueles menos favorecidos''. O embaixador ressalta que Dorothy havia recebido apoio do governo americano ''para seu trabalho a favor das mulheres e em defesa das populações tradicionais da Amazônia''.

O presidente da OAB, Roberto Busato, sugeriu ontem a formação de uma força-tarefa do governo para dar um fim ao conflito de terras no Pará, que vem desde a construção da rodovia Transamazônica, nos anos 70. Segundo ele, se o governo continuar a tratar a situação como fatos policiais isolados, a região se transformará ''numa versão cabocla da Faixa de Gaza''.

Para Busato, o assassinato de Dorothy Stang exige a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, à frente da força-tarefa, ''pelo tempo necessário para deflagrar um novo movimento com vistas a resolver o conflito definitivamente''.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Jorge Maurique, afirmou que a morte da freira ''foi o crime mais anunciado desde a morte do líder dos seringueiros no Acre, Chico Mendes, em dezembro de 1988''. Em nota oficial, a Ajufe cobra do governo ''medidas sérias, de caráter permanente e não emergenciais, para que casos graves e inadmissíveis como o ocorrido com a religiosa não se tornem corriqueiros''.

- Parece que, dentro do Brasil, existe outro país, longe dos ambientes refrigerados em que trabalhamos, onde não se respeitam nem pessoas que são referência internacional - disse o presidente da Ajufe, acrescentando que a gravidade dos conflitos na região mostra a urgência da instalação da Vara Federal de Altamira.

JB, 15/02/05, País, p.A2

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