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Morre Kanato, líder yawalapiti

O Estado de S. Paulo-SP
20 de Nov de 2001

Orlando Villas Bôas recorda seu convívio com o índio falecido há poucos dias no Parque Nacional do Xingu

Kanato moço, morre velho chamado Parú Há 3 ou talvez 4 ou 5 dezenas de anos passados, quando a Expedição desbravadora descia o rio Kuluene, depois de deixar na barranca da margem esquerda uma fileira de índios Kalapalos chegamos mais abaixo, também na margem esquerda, e encontramos um outro grupo ainda maior de outros índios. Encostamos as nossas embarcações e ficamos sabendo que este era dos índios Kuicurus, falantes, agitados, e dentre eles um surgiu, moço dos seus 18 anos que nos deu a entender que gostaria de ir conosco. Não havia como negar a carona. Seria uma companhia útil, inteligente, que batendo no peito declinou seu nome, Kanato. Horas rio abaixo alcançamos uma pequena canoa tripulada por dois índios de meia idade. Que seriam? Que língua falariam? Kanato esclareceu e estendendo o braço mostrou onde seria a Aldeia, eram índios Kamaiurá. Os dois da canoa não só confirmaram como sugeriram que os acompanhassem já que estávamos na entrada das moradas. A recepção pelos Kamaiurás foi tumultuada já que os moços correram e empunharam os arco e flechas. A intervenção dos velhos estabeleceu a paz. Kanato não saia do nosso lado mais por solidariedade do que por receio. Quando menos esperávamos Kanato nos aponta uma moça e nos deu a entender que gostava dela. E ela gosta de você, perguntamos e ele riu e deu com a cabeça um sinal positivo. - Casa com ela, dissemos. - O pai não deixa, deu a entender. - Rouba ela, aconselhamos! - Como ela chama, perguntamos. - Tipori, respondeu. - Vá para a beira do rio, aconselhamos. Arranje uma canoa. Vamos pedir a ela que vá buscar água no rio. Ela foi e não voltou. Tudo foi feito mais com gestos do que com fala. Deu tudo certo. Despedimos das gentes da Aldeia, rumamos para o Porto e os nossos barcos rebocaram a canoa do casal. Algumas horas rio abaixo num lugar chamado Iacaré - indicado por Kanato aportamos. Foi ali que fizemos o nosso primeiro acampamento no Xingu. Alguns dias depois o Chefe da Aldeia, o pai da raptada - acompanhado por companheiros aportou na nossa nova querência. Nos deu a entender na sua linguagem: - Quero a minha filha! Em resposta pegamos no pulso, apontamos o mato de forma que entendesse que ambos haviam entrado ali. E ainda, que ele era nosso e muito havia de ganhar e tudo que houvesse seria dele, o sogro. A calma voltou, o velho sorriu e, por sinal, disse que tudo estava bem. O Posto Jacaré foi a nossa primeira base na área. Ranchos foram levantados e, próximo ao nosso, um pequeno para o novo casal. O primeiro filho do casal morreu criança. O segundo vingou. Era o avô que estava voltando - Aritana. Dizem os velhos de outras aldeias que o velho Aritana em tudo parecia com o neto de agora. Não só na postura, mas no físico, nos gestos e na fala também. O Aritana neto, hoje com mais ou menos 50 anos, vem constituindo a força que une a nação Yawalapiti, do mesmo modo que o fora, o velho Kanato. Piracumã, seu irmão mais próximo, é o seu braço direito. A irmã caçula de ambos é a sombra da Tipori, a mãe de todos. O tempo inexorável fez com que assistíssemos o nascimento de todos e agora, com muito pesar, a perda do velho amigo que encontramos com dezoito anos e que faleceu com pouco mais de setenta.

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