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Mogno, dinheiro e conservação ambiental

Jornal da Tarde, p.A3 (São Paulo-SP)
29 de Nov de 2002

Comemorada como um grande passo à frente, a inclusão do mogno no Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção da Fauna e Flora (Cites), órgão da ONU que se reúne a cada dois anos, no mês passado em Santiago do Chile, põe novamente em cena o dilema das políticas ambientais baseadas exclusivamente em medidas restritivas.

O mogno já estava no Anexo III da Cites, que impõe conseqüências menos rigorosas. A classificação no Anexo II adota medidas mais rigorosas de fiscalização também por parte dos importadores, além da obrigatoriedade da certificação para tudo quanto é movimentado e vendido.

O problema, entretanto, é que o primeiro efeito de medidas restritivas como esta é o aumento do preço dessa madeira, extraída quase sempre ilegalmente da Amazônia que, hoje, serrada, é exportada por cerca de US$ 1.200 o metro cúbico. Para se ter uma idéia das dificuldades envolvidas na fiscalização desse comércio, basta lembrar que pelo menos 60% do que é derrubado na Amazônia é consumido dentro do País mesmo, quase sem controle nenhum. Dos 40% restantes, que são exportados, uma parte sai pelo Porto de Belém e outra parte considerável sai por Paranaguá. Isto quer dizer que os 60% consumidos no Brasil, principalmente em São Paulo, e mais a parcela dos 40% exportados que sai por Paranaguá atravessam o País inteiro por rodovias, sem que se consiga um controle consistente desse comércio, tal é o grau de corrupção envolvido. Ora, aumentando-se o preço, não apenas se vai colocar mais gente dentro da floresta caçando mogno como se vai aumentar, também, a margem para a corrupção no transporte e na comercialização dessa madeira.

É, mais ou menos, o que acontece com todos os ambientes ameaçados e seus produtos. É um impulso econômico que leva ao início do processo de destruição. E, à medida que eles vão se tornando mais raros, mais valiosos se tornam seus produtos e mais cresce o poder corruptor dos que vivem de colhê-los.

O que a experiência mundial indica é que, a menos que se crie um impulso econômico mais forte na direção contrária - ou que restem apenas ilhas desses antigos hábitats passíveis de serem cercadas e permanentemente vigiadas pela polícia -, eles acabam, inexoravelmente, indo à extinção.

A destruição continuada de ambientes naturais, da metade do século passado em diante, acabou, porém, criando o antídoto de si mesma. A progressiva escassez de ambientes preservados em todo o mundo valorizou os que restam a tal ponto que passou a ser um negócio infinitamente mais rentável preservá-los do que depredá-los. E isto inverteu, em toda a parte, a sanha destruidora.

O mogno ocorre justamente na Amazônia seca, nas bordas leste e sul da chamada Hiléia, que é a floresta inundada pelos grandes rios amazônicos, mais ao Norte. É árvore que denota terra de melhor qualidade, cobiçada pela agricultura. Não por acaso, é nessas mesmas áreas que estão os rios e as matas mais propícias da Amazônia para a prática de caça e pesca esportivas, hoje as duas maiores indústrias de esportes "outdoors", em impressionante expansão em todo o mundo, onde geram centenas de bilhões de dólares e mantêm milhões de empregos, rendendo tanto, a partir de investimentos proporcionalmente tão baixos, que não se comparam, como negócio, à agricultura, o maior fator de degradação ambiental. E, assim, no mundo inteiro hoje, investidores tomam terra da agricultura para devolvê-la à natureza e explorá-la para essas e outras práticas de turismo e esportes ligados à conservação ambiental.

O Brasil, lamentavelmente, proibiu a caça e desestimulou a pesca esportiva desde o início dos anos 80, quando começou o ataque final da agricultura à Amazônia, deixando sozinho, em cena, o impulso econômico destruidor de ambientes. É preciso reverter esse erro trágico antes que seja tarde demais.

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