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Mogno ameaçado

O Globo-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Paulo Adário
29 de Jul de 2002

No próximo dia 14 de agosto acaba a moratória que proibiu novos projetos de exploração de mogno na Amazônia brasileira. Estabelecida através de decreto pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1996, e renovada em 1998 e 2000, a moratória teve duplo objetivo: de um lado, responder às pressões da opinião pública nacional e internacional pela inclusão do mogno brasileiro no chamado "Anexo II" da Cites- um tratado internacional sobre o comércio de espécies ameaçadas de extinção; e de outro, ganhar tempo até que medidas concretas fossem adotadas para garantir que a exploração do mogno não ameaçasse a sobrevivência da própria espécie.

Embora ações tópicas tenham sido implementadas - como a inspeção periódica dos projetos de exploração (reduzidos de 130, em 1996, para 13, em 2001), e a listagem do mogno, em 1998, no Anexo III da Cites (que é menos rígido do que o Anexo II) - a questão estrutural não foi tocada, e grandes volumes de madeira ilegal e predatória chegam todos os anos ao mercado.

O mogno continua ameaçado. Para adotar medidas concretas de proteção, é preciso tempo. Ou seja, a moratória precisa ser reeditada mais uma vez, para que o governo e as empresas façam o dever de casa - ou a espécie tropical mais valiosa das Américas estará comercialmente extinta no prazo de uma geração.

Ao listar o mogno no anexo III da Cites, o Brasil se obrigou a informar os países consumidores sobre a origem do mogno exportado (que é atestada por um documento emitido pelo Ibama). A Cites, porém, não vale para o mercado interno. E mesmo no caso das exportações, a listagem no Anexo III não impediu que madeireiros passassem a usar documentos oficiais para "legalizar" mogno ilegal.

O Ibama acaba de constatar que nos últimos três anos saíram do país mais de 130 mil metros cúbicos de mogno beneficiado, embora as empresas estivessem autorizadas a explorar mogno suficiente para apenas 75 mil metros cúbicos. Desse total, 18 mil foram exportados por ordem judicial depois que governo suspendeu, em outubro de 2001, toda a exploração, transporte e comércio de mogno.

Alarmados com a extensão do problema, especialistas em mogno divulgaram em junho um documento - a "Declaração de Belém" - com recomendações para o período de transição da atual exploração criminosa para o manejo sustentável. Entre elas está a reedição da moratória, não mais com prazo determinado mas com mecanismos de flexibilização que permitissem que empresários sérios pudessem iniciar novos projetos de exploração desde que comprometidos, prévia e de forma legalmente aferível, com a certificação independente pelos padrões do Conselho de Manejo Florestal, o FSC.

Os especialistas consideram como pré-condições para a retomada da exploração o inventário dos estoques de mogno remanescentes na Amazônia; uma nova legislação de manejo específica para o mogno e espécies raras; a criação de um fundo de conversão para o manejo ecologicamente sustentável da espécie com recursos provenientes da venda, pelo governo, do mogno apreendido durante ações de fiscalização; e a mudança do mogno do Anexo III para o Anexo II da Cites. Esse anexo não impede o comércio, mas exige um atestado dado por autoridade científica, reconhecida pelo governo brasileiro, de que a exploração foi feita de forma a não colocar a espécie em risco. Também são vitais o fortalecimento e reaparelhamento do Ibama e outras agências do governo encarregadas de fiscalização e controle.

Embora seja muito difícil mensurar a real intensidade da exploração do mogno devido à grande ilegalidade no setor madeireiro, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) estima que 4 milhões de metros cúbicos de mogno serrado foram exportados pelo Brasil entre 1971 e 2001 - a imensa maioria (75%) para os Estados Unidos e Inglaterra. Outros 1,7 milhão teriam sido vendidos no mercado interno. Num cálculo rápido, isso significa cerca de 10 milhões de metros cúbicos de madeira em tora, ou mais de 2 milhões de árvores de mogno abatidas pela sanha das moto-serras.

As conseqüências diretas da superexploração ultrapassam a ameaça ao próprio mogno para afetar grandes áreas da mais bela e antiga floresta do planeta. Como o mogno nasce de forma muito esparsa na Amazônia, madeireiros em busca do chamado "ouro verde" abrem estradas de centenas de quilômetros na mata, sem qualquer planejamento ou estudo de topografia ou hidrologia. No início da década de 90, mais de 3 mil quilômetros de estradas ilegais já haviam sido abertas no sul do Pará, hoje uma das áreas mais devastadas e violentas da Amazônia.

Além do impacto que causam à floresta, essas estradas funcionam como veias abertas à destruição: abandonadas pelo madeireiro após a extração do mogno e de outras espécies de valor, elas são utilizadas por fazendeiros e colonos para a ocupação de novas áreas para gado ou plantio. À medida que o mogno desaparece nas áreas exploradas pelos madeireiros, eles passam a invadir áreas protegidas. Conflitos, roubo, mortes, corrupção e sonegação são comuns na história da exploração do mogno.

Há uma clara explicação para isso: o metro cúbico de mogno serrado vale hoje, em média, entre US$ 1.200 e US$ 1.400 no mercado internacional mas custa apenas R$ 25 na floresta. Uma árvore de mogno, com cerca de 5 metros cúbicos e mais de 200 anos de idade, é comprada ilegalmente por madeireiros em terras indígenas do sul do Pará a R$ 125 - quando não é roubada. Após a industrialização, a árvore, reduzida a 3 metros cúbicos de madeira serrada, é vendida por valores que chegam a mais de R$ 10 mil. Esse volume de madeira permite a produção de 12 a 15 mesas e cadeiras de mogno. Uma única dessas sofisticadas mesas é vendida na rede de lojas Harrods, de Londres, por US$ 8.500. A mesma árvore de R$ 125 na Amazônia virou US$ 128.250 em mesas britânicas.

Ou seja: quem ganha com o saque sistemático do mogno brasileiro está bem longe de nossas fronteiras.

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