VOLTAR

Moema, Vila Mariana e Saúde fazem 24% da coleta seletiva de São Paulo

OESP, Metrópole, p. C1, C3
09 de Mai de 2010

Moema, Vila Mariana e Saúde fazem 24% da coleta seletiva de São Paulo

Ana Bizzotto, Bruno Paes Manso e Diego Zanchetta

Na área da Subprefeitura da Vila Mariana, onde vivem 2,7% dos 11 milhões de paulistanos, estão 24% dos contêineres de coleta seletiva da cidade. A região compreende os bairros de Moema, Saúde e Vila Mariana. Em seguida, vem a Subprefeitura de Pinheiros, formada por Pinheiros, Alto de Pinheiros, Itaim-Bibi e Jardim Paulista. Juntas, as duas Subprefeituras detêm 33% dos 5.118 contêineres da cidade.
Mais do que bons exemplos, esses números refletem o quanto o programa municipal de reciclagem - que comemora 20 anos de existência em 2010 - está concentrado nos bairros nobres do centro expandido. E, apesar de chegar a quase 80% dos 96 distritos, tem distribuição muito desigual. Atrás de Vila Mariana e Pinheiros, vêm as Subprefeituras da Sé e da Lapa.
Os contêineres são usados para a coleta de lixos em condomínios, parques e prédios públicos. Espalhados por bairros, formam, segundo as empresas que fazem a coleta de lixo em São Paulo, uma amostra do mapa da coleta seletiva na cidade. E complementam a coleta porta a porta, que retira diretamente das ruas os sacos de lixo reciclável.
"A eficiência do programa depende da sua abrangência. Mesmo que a Prefeitura diga que a coleta seletiva atinge 74 dos 96 distritos da cidade, isso não significa que os caminhões passem por todos os domicílios dessas áreas", diz Elisabeth Grimberg, coordenadora executiva do Instituto Pólis.
A meta definida por lei em 2003 apontava que toda a capital já deveria ser abrangida pela reciclagem desde o fim de 2007. Em março, uma decisão da 8.ª Vara da Fazenda Pública determinou que sejam instaladas centrais de triagem nas 31 Subprefeituras até o fim deste ano. O governo vai recorrer da decisão e diz que a meta será alcançada até 2012.
Nos bairros mais afastados, a coleta seletiva ainda é tímida. Mesmo em regiões que nos últimos anos se tornaram alvo do mercado imobiliário e das operações urbanas lançadas pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM).
Apesar de ter ganhado 23 novos condomínios só nos últimos 15 meses, Itaquera, na zona leste, por exemplo, tem apenas 41 contêineres, incluindo os que estão em pontos comerciais e em vias públicas. Do outro lado de São Paulo, em Cidade Ademar, zona sul, a verticalização chegou com a construção de 13 prédios apenas no ano passado, mas são 49 equipamentos para depósito de lixo reciclável.
Região considerada a vedete dos construtores e desejada pela classe média emergente, a Penha, na zona leste, onde foram lançados 300 empreendimentos só no primeiro trimestre, tem 129 contêineres. A pior situação ocorre na região do Socorro, área da zona sul que registra um processo avançado de verticalização. Lá não existe sequer um contêiner de coleta seletiva.
Iniciativa. Dezenas de moradores de prédios já usam as próprias experiências para difundir a reciclagem. Quando voltou de um intercâmbio em Londres em 1998, a filha da advogada aposentada Dalva Santana, de 62 anos, trouxe a ideia que mudou para sempre a maneira de a família lidar com o lixo doméstico. A coleta seletiva, naquela época já difundida na Inglaterra, foi aceita.
"É uma questão de hábito. Depois que você começa a fazer, é viciante. Até meu netinho de 3 anos já sabe separar o reciclável", diz Dalva. No prédio onde a família morava naquele tempo, em Perdizes, zona oeste de São Paulo, a coleta era feita. Mas quando se mudou para outro edifício do bairro, há cinco anos, eles tiveram de se esforçar para convencer os moradores a aderirem à iniciativa. Enquanto não conseguia, Dalva deixava o material no mercado.
Há dois anos, Dalva persuadiu o síndico a reservar um cômodo do prédio para armazenar os recicláveis e ligou para a concessionária que faz a coleta porta a porta. Todas as sextas-feiras, funcionários da limpeza do prédio levam o material para o portão da garagem, onde a coleta é feita. "Mas tem muita gente que ainda faz errado, mistura lixo seco com orgânico. Dá trabalho e até todo mundo se acostumar é complicado."
Destino. Apesar do empenho, ela não sabe para onde o material é levado. "O que é feito e como ele está sendo aproveitado eu não sei. Tem gente que duvida que seja realmente reciclado", diz a advogada aposentada.
Segundo a concessionária Loga, o lixo coletado em Perdizes é encaminhado para as centrais de triagem de acordo com a demanda. Na sexta-feira, o lixo de Dalva foi levado à Coopere-Centro, uma das 16 entidades conveniadas à Prefeitura.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100509/not_imp549091,0.php

A reciclagem poderia tirar pessoas da rua''
Catadores às vezes não dão conta da demanda e reclamam de falta de apoio do poder públicoCarga. José Carlos Alves dos Santos, de 55 anos, chega a levar 300 quilos de papelão

Além de diminuir o desperdício e preservar o ambiente, a reciclagem do lixo tem importante função social. Em 43% dos 405 municípios que fazem coleta seletiva, a triagem do lixo é feita por cooperativas de catadores, boa parte formada por carroceiros e moradores de rua.
Em São Paulo, o lixo reciclado é separado nas centrais de triagens pelas cooperativas de catadores associadas à Prefeitura, que vendem o material para as empresas. O ganho mensal médio de um cooperado conveniado é de R$ 700. Como são poucas as centrais de triagem, existem mais duas alternativas aos carroceiros: Atuar em uma cooperativa não conveniada ou fazer o serviço de forma autônoma. Segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, há 94 grupos organizados na capital paulista, entre associações e cooperativas. Dessas, apenas 16 são conveniadas.
O catador José Carlos dos Santos, de 55 anos, sobrevive do material reciclável arrecadado em caçambas e edifícios que ainda não aderiram à coleta oficial de porta em porta nas ruas de Perdizes, na zona oeste. Após um dia de trabalho, ele chega a carregar 300 quilos em seu carrinho. Vende tudo a um ferro-velho e ganha cerca de R$ 800 por mês. Catador autônomo desde que chegou, nunca quis entrar em uma cooperativa.
O catador Gilson Loiola, de 33 anos, também pensava assim, mas mudou de ideia. Após trabalhar 12 anos como autônomo, há dois, ele decidiu trabalhar na Cooperglicério. "A Prefeitura fechou muito ferro-velho, não tive opção. Mas a cooperativa é mais organizada, conseguimos preços melhores para o material." Para ele, se a coleta depender só da municipalidade, "não vai para frente". "Não há estrutura, caminhões não dão conta de tudo."
Sem convênio. A Cooperglicério, onde Gilson trabalha com outros 40 catadores, também não é conveniada. Sua área, embaixo do viaduto de ligação com a Radial Leste, é cedida pela Prefeitura, mas todos os outros gastos são rateados entre cooperados, que têm apoio de empresas.
Os lucros são divididos e, após cinco anos, a cooperativa vai comprar sua primeira prensa. Hoje, o único equipamento que auxilia o trabalho é uma balança emprestada. "Protocolamos vários ofícios para tentar nos credenciar na Prefeitura. Por mais preparado que a gente esteja, eles criam obstáculos", diz Romeu Sérgio Bueno, de 55 anos, presidente da cooperativa. Para ele, é "absurdo" o carrinho ainda ser usado. "Puxamos porque precisamos, não porque gostamos. É desumano, não temos estrutura óssea para isso."
Sem equipamento. Nas cooperativas conveniadas, apesar do apoio oficial, há dificuldades. Com 90 pessoas, a maioria ex-moradores de rua, a Coopere-Centro tem uma esteira e quatro prensas, mas a falta de outros equipamentos faz com que muito material seja vendido a atravessadores. Outro problema, para o coordenador Sergio Luis Longo, é a dificuldade em atender a toda a demanda dos moradores. "Estamos sobrecarregados. Às vezes, a população separa o material e não conseguimos pegar."
Para ele, é preciso ampliar as equipes e o número de caminhões de reciclagem. "Falta apoio do poder público para a coleta. A reciclagem poderia ser usada para dar mais empregos e tirar mais pessoas da rua."

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100509/not_imp549092,0.php

Cidade ainda só recicla 1% de seu lixo
Após 20 anos, o sistema de coleta seletiva da Prefeitura consegue reutilizar apenas uma garrafa PET por habitante a cada semana

Ana Bizzotto, Bruno Paes Manso e Diego Zanchetta

Depois de 20 anos, o sistema de coleta seletiva de lixo da Prefeitura consegue reciclar, em média, apenas 280 gramas por mês por habitante, o que significa que o paulistano só manda para a reciclagem peso correspondente a uma garrafa PET a cada seis dias. O total representa 1% de todo o lixo produzido na cidade.
A população de Porto Alegre, cujo programa de reciclagem é considerado modelo, consegue separar para reciclagem 1,3 quilo por habitante - quase cinco vezes o índice de São Paulo. Em Estocolmo, na Suécia, referência mundial no processo de coleta seletiva, 25% do lixo é reciclado. Cada habitante da capital sueca recicla em média 12,4 quilos por mês - 44 vezes mais do que o paulistano.
"Faltam incentivo e investimento na organização das cooperativas e na capacitação de catadores para que o programa seja ampliado. Nessas duas décadas, a coleta seletiva ainda é algo a que só a classe média paulistana tem acesso na cidade. Os municípios precisam encarar a reciclagem como uma política pública fundamental para reduzir os riscos de enchentes e o espaço dos aterros", diz o advogado Fabio Pierdomenico, professor de Direito Ambiental e diretor da Limpurb entre 2002 e 2004.
Nos últimos três anos, os investimentos em coleta seletiva se mantiveram proporcionalmente estagnados. Em seu primeiro ano como prefeito, em 2006, Gilberto Kassab (DEM) aplicou 1,21% da verba empenhada para a coleta do lixo em reciclagem; em 2009 esse índice foi de 1,14%.
A falta de investimentos em reciclagem nas diversas fases do sistema explica por que o processo não vai para a frente. De acordo com a política municipal do setor, criada por lei em 2003, deveriam ser construídas 31 centrais de triagem em todas as subprefeituras em 2007.
As obras estavam previstas no novo contrato de coleta de lixo, que entrou em vigor em 2005. Um ano antes, já existiam 14 centrais. Hoje, passados seis anos, são 16. No cronograma das empresas de lixo, as obras estarão concluídas só em 2.015. Para a construção de dez desses galpões, estão programados R$ 6 milhões de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A verba não saiu porque a Prefeitura ainda está definindo as áreas para instalação desses prédios. Segundo a Limpurb, quatro áreas já foram aprovadas e outras seis estão "em processo de análise".
O gargalo também ocorre na coleta seletiva nas ruas. Dos 292 caminhões contratados para recolher o lixo na capital, só 20 são destinados aos reciclados (7%).
Estagnação. A cidade de São Paulo produz mensalmente 293,9 mil toneladas de lixo, coletadas pelos consórcios Ecourbis e Loga Ambiental. Só 3.135 toneladas são recicladas - menos de 1% do lixo da capital.
O governo municipal argumenta estar acelerando os investimentos neste ano e aponta que são coletadas diariamente 120 toneladas de lixo reciclável na cidade, o que corresponde a 7% do lixo domiciliar que pode ser triado atualmente. Isso equivale a 0,6% de todo o lixo doméstico produzido na cidade.
O alcance do programa também é limitado: atinge somente 6 milhões dos 11 milhões de habitantes da metrópole. "Se o índice (de investimentos) é baixo hoje, imagina no início da gestão. Tem crescido, aumentado, e vai continuar aumentando. Vamos nos esforçar para continuar investindo", disse Kassab.
O secretário municipal de Serviços, Alexandre de Moraes, apresentou o aumento no volume de coleta como indicativo de investimento. "Nós não achamos que (o Orçamento) está estagnado nem em um índice baixo. Pulamos de 5 mil toneladas no fim da gestão da prefeita Marta (PT) para quase 38 mil toneladas. São oito vezes mais", diz.
O diretor da Limpurb, César Morales, afirma que a Prefeitura "dá todo o apoio material e de orientação para que as cooperativas se formem e trabalhem". Hoje, segundo ele, há 1.050 famílias integradas ao programa.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100509/not_imp549094,0.php

Incluir e capacitar catadores ajudaria a fortalecer o sistema

Análise: Ana Maria Luz

O programa municipal de coleta seletiva de São Paulo ainda deixa muito a desejar. É positivo que tenha passado de um sistema caro, insustentável, no início dos anos 1990, para um programa realista, baseado na inserção dos tradicionais coletores de materiais recicláveis - os catadores - de forma cooperativada.
Ocorre que, na prática, a coisa não funciona tão bem. Após sete anos, o programa da maior cidade do País ainda é inexpressivo, reciclando menos de 1% do lixo. O número de cooperativas conveniadas está muito aquém do necessário, deixando grande parte da cidade sem atendimento. E o município ainda gasta milhões com isso. Onde está o erro?
A coleta seletiva com a inserção de catadores é possível. E justa. Pode ser duradoura e sustentável. Mas só ser for encarada pelo governo como um serviço público indispensável, dentro de uma política de gestão integrada de resíduos. Como ampliar a coleta e estender o serviço? As soluções são simples. Descentralizem a gestão, colocando em prática o que está proposto nos planos: pelo menos uma Central de Triagem por subprefeitura.
Invistam na supervisão e na capacitação dos catadores, pois há grandes carências educacionais entre esses trabalhadores, o que impede que as cooperativas atinjam sua máxima capacidade. Informem a população sobre o programa, para ela possa participar. Os recursos destinados à Educação Ambiental são pífios - ou não atingem os objetivos.
Defendemos que as cooperativas devam ser remuneradas pela coleta. Essa medida ajudaria a consolidar os empreendimentos, garantindo a manutenção do serviço.
Recentemente, uma ação que obriga a Prefeitura a encarar seriamente o programa de coleta seletiva foi aprovada em primeira instância. Há esperanças. O modelo é bom, mas precisa ser melhorado. Urgente.

É presidente do Instituto GEA, especializado em Educação Ambiental e Gerenciamento de Resíduos

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100509/not_imp549095,0.php

OESP, 09/05/2010, Metrópole, p. C1, C3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.