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Misteriosos criadores de florestas

O Globo, Ciência, p. 50
04 de Abr de 2004

Misteriosos criadores de florestas
Maior estudo realizado no Brasil transforma imagem dos morcegos

Pouco conhecidos pela ciência, cercados de lendas e apontados como criaturas repugnantes, os morcegos exercem um papel fundamental na natureza. Esses mamíferos alados de hábitos noturnos e jeito de poucos amigos estão entre os mais eficientes dispersores de sementes: são considerados verdadeiros criadores de florestas.

Entender melhor os hábitos e os papéis exercidos pelos morcegos no meio ambiente está entre as principais metas do mais ambicioso projeto envolvendo esses animais já realizado no Brasil. Ligado às ONGs Eartwatch e Conservação Internacional, o projeto prevê a realização, ao longo de dez anos, no Pantanal, de um dos mais completos levantamentos já feitos sobre esses animais no país.

- Morcegos podem ser frugívoros, insetívoros, nectarívoros, piscívoros, carnívoros, onívoros... Ou seja, atuam em muitos nichos, têm funções ecológicas importantes - explica George Camargo, um dos pesquisadores envolvidos no projeto. - Podem se deslocar por longas distâncias transportando sementes e pólen.

Como grupo, os morcegos são excelentes indicadores do status de conservação de ecossistemas: quanto mais funções presentes num hábitat, mais bem preservado ou em regeneração ele está.

Vampiros são os mais temidos

Morcegos podem, entretanto, ser portadores de vírus e bactérias, alguns deles transmissíveis ao homem.

- São animais silvestres e, potencialmente, podem transmitir doenças como a raiva, a toxoplasmose e hantavirose - conta Camargo.

Por seu maior potencial para dispersar doenças, os morcegos mais temidos são os hematófagos, chamados popularmente de vampiros, que se alimentam exclusivamente de sangue. Ataques a seres humanos são raros, restritos a localidades isoladas inseridas em florestas em que as pessoas durmam ao relento.

- Eles atacam sobretudo gado e cavalos - explica Camargo. - Em muitos casos, conseguem deixar o animal anêmico porque atacam por repetidas noites o mesmo indivíduo.

Isso ocorre porque, ao morder pela primeira vez um animal, o morcego corre mais risco de sofrer alguma represália.

- Morder causa mais dor e há sempre o risco de o animal acordar - afirma Camargo. - Por isso, ele prefere ir sempre na mesma lesão. Além disso, ele tem uma substância anticoagulante na saliva que dificulta a cicatrização.

O morcego sabe que se trata do mesmo animal devido a seu complexo sistema de localização por sons inaudíveis ao homem.

- Ele emite um som em alta freqüência que bate no anteparo e retorna pra ele. Por meio desse sistema, ele é capaz de evitar obstáculos e localizar presas porque consegue ter a perfeita noção do tamanho, da forma e da movimentação do que está à sua frente - explica o pesquisador.

O som emitido pelos morcegos é tão intensamente agudo, segundo Camargo, que, se o animal o escutasse no momento da emissão, seus tímpanos explodiriam. Para driblar o problema, os morcegos são dotados de um mecanismo que faz com que seu tímpano se feche milésimos de segundos antes do grito e se abra logo depois, de forma a receber o retorno - já bastante enfraquecido.

Eles secam se expostos ao Sol

Os hábitos noturnos que tanto contribuíram para a má reputação desses mamíferos seriam, na verdade, uma estratégia de defesa. Uma forma de evitar competidores alados mais eficientes, as aves; evitar predadores (a maioria de hábitos diurnos) e, claro, fugir do sol. Eles secam expostos à luz forte.

Verdades e mentiras

Únicos mamíferos capazes de voar, os morcegos são animais pequenos. Em geral, não pesam mais de 100 gramas. Existem mais de mil espécies identificadas em praticamente todo o planeta, com exceção apenas de lugares muito quentes ou muito frios. Os morcegos hematófagos, os chamados vampiros, só ocorrem na América do Sul. Abaixo, o pesquisador George Camargo, especialista em morcegos, esclarece alguns fatos e desfaz mitos sobre os animais.

Má fama: A falta de conhecimento é a maior responsável pela má fama desses animais. Camargo lembra que nos relatos dos primeiros colonizadores da América do Sul os animais que chupam sangue foram descritos como fantásticos.

Ratos e morcegos: Comumente associados, os dois animais não guardam nenhum parentesco. Segundo George, morcegos e macacos têm o mesmo ancestral comum, uma espécie de pré-macaco. O rato só surgiria milhares de anos depois.

Maldição da Múmia: Uma das possíveis explicações para doenças que acometeram os primeiros exploradores de múmias seria a contaminação por um fungo que cresce nas fezes de morcegos e, se inalado, pode causar problemas pulmonares graves.

Saci: Ao atacar cavalos, morcegos vampiros emaranham com suas garras a crina do animal. Na tradição popular, o feito costuma ser atribuído ao saci.

O Globo, 04/04/2004, Ciência, p. 50

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