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A minutos da sede da COP-30 em Belém, comunidade esvazia após poluição do rio: 'Vila fantasma'

OESP - https://www.estadao.com.br/
09 de Dez de 2024

A minutos da sede da COP-30 em Belém, comunidade esvazia após poluição do rio: 'Vila fantasma'
Ribeirinhos da região metropolitana da capital do Pará não conseguem mais pescar e lutam para sobreviver; empresas de distrito industrial negam sujar a água e dizem seguir leis. Governos locais afirmam fiscalizar atividades

Paula Ferreira

09/12/2024

A água suja que o barco deixa para trás carrega um cheiro forte, denunciando que o rio já não é mais o mesmo. Ao navegar pelo igarapé Piraíba, em Belém, o odor não é o único aspecto a revelar sua condição, algumas casas à beira das águas, antes ocupadas por ribeirinhos, hoje estão vazias.

Degradado pela ação humana, o Piraíba, afluente do Rio Maguari, cerca de 20 minutos do local que está sendo construído para receber no ano que vem a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30) na capital do Pará. No futuro parque, chefes de Estado decidirão sobre estratégias e metas para salvar o planeta. Na comunidade Amapi, às margens do igarapé, já se veem os efeitos da degradação ambiental na Amazônia.

O igarapé fica no distrito industrial de Icoaraci, região de Belém que reúne cerca de 30 empresas de construção naval, extrativismo, metalurgia, beneficiamento de madeira, curtumes, entre outras. Em meio à intensa atividade industrial, moradores dizem que o rio é recorrentemente contaminado pelo despejo de dejetos das fábricas, como o Curtume Ideal, que produz couro bovino; e a Repar- Reciclagem industrial de resíduos de animais, produtora de óleo e ração de peixe.

A Repar nega as acusações. Afirma que tem todas as licenças necessárias e diz que suas operações são submetidas a vistorias periódicas da delegacia de meio ambiente e do Ministério Público.

Já o Curtume Ideal afirma que suas operações cumprem a lei ambiental e destaca ter estação de tratamento de efluentes. Diz ainda que os problemas relatados não têm origem no Curtume.

Perto dali, a Couro Norte também é apontada como responsável por despejar rejeitos no Igarapé Uxiteua. O Estadão não conseguiu contato com a empresa.

O Ministério Público do Pará (MPPA) acompanha três ações judiciais contra empresas acusadas de poluir a região, que se arrastam há 18 anos. Segundo o órgão, "há provas de que houve dano ambiental na região." O MP pediu absolvição do Curtume Ideal após laudo de 2021 afirmar que a empresa havia parado de lançar substâncias no rio. No dia 3, a Justiça absolveu a Ideal. A promotoria pediu, porém, a condenação da Couro Norte por despejar produtos no Igarapé Uxiteua.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belém afirma que as empresas ao redor do Piraíba foram fiscalizadas e não foram comprovadas as denúncias.

Já a pasta estadual de Meio Ambiente do Pará diz que a Repar assinou Termo de Ajustamento de Conduta para alterar seu local de produção. O Curtume Ideal, segundo a pasta, tem licença ambiental válida até este ano. Afirma ainda que está estruturando o programa Pró-Rios, criado ano passado, para preservar rios.

"Foi todo mundo indo embora por isso. Antes tinha muitas pessoas. Na beira do rio, tudo era lugar de casa que o pessoal abandonou", desabafa João Pinheiro, 81 anos, morador da comunidade Amapi há 30 anos. "Está virando uma vila fantasma."

Ele conta que o processo de degradação do rio se intensificou há cerca de 15 anos. Aos poucos, os peixes e camarões sumiram, assim como boa parte dos moradores. Testemunha do adoecimento do igarapé, seu João permaneceu no local onde construiu sua casa, mas passou a pescar em outro lugar.

Agora, mesmo aos 81 anos, no início da semana parte para outra comunidade onde a pesca ainda é viável e fica em casa no sábado e no domingo. "Meus filhos todos foram criados na água boa e agora os netos não podem nem tomar banho", lamenta.

Aqueles que se aventuram a mergulhar no rio relatam problemas de pele e outras mazelas. Mas não é necessário entrar na água para ver que há algo de errado. Além do cheiro forte de restos de animais, a mudança visual é nítida: pedaços de pele boiam, a água borbulha, e uma espuma se forma em alguns trechos.

Maria Olgarina Pinheiro, de 57 anos, é uma das filhas de João criada na "água boa" e também tem a pesca como fonte de renda. Ela conta que viu o cenário mudar ao longo dos anos. "Hoje, onde tem peixe para pegar? Em canto nenhum", diz ela. "Não tem mais um camarão para comer. O rio está morto."

Os moradores relatam ver dutos clandestinos para despejar dejetos no igarapé. Segundo eles, as tubulações aparecem só na maré baixa. A Repar nega ter tubulações ligadas ao Rio Piraíba ou a qualquer outro córrego e diz que o "descarte de água é feito internamente e segue rigoroso sistema de filtros, em conformidade com exigências legais."

O Curtume Ideal também refuta as acusações e diz ter uma estação para tratar efluentes. O Estadão não localizou a Couro Norte.

Os ribeirinhos afirmam que não querem que as empresas necessariamente saiam de lá, mas que atuem de acordo com a lei para proteger o ambiente. A relação é complexa, porque algumas pessoas conseguem emprego na indústria ao redor. A reportagem ouviu relatos de trabalhadores do curtume que afirmam ter visto o despejo da sujeira no rio.

Há nove anos, Nazareno Lobato, de 62 anos, construiu uma pequena casa na beira do Rio Piraíba. Na época, a poluição já estava em curso, mas ainda era possível desfrutar das águas do igarapé. Desde essa época, Nazareno preside o Instituto Vida Pará e luta para que esse pleito ganhe repercussão e chegue às autoridades.

Em novembro do ano que vem, Belém receberá o mais importante evento climático do mundo. A COP-30 terá a missão de fixar novos parâmetros de contribuição dos países no sentido de reduzir emissões de gases do efeito estufa e frear o aquecimento global. Com a proximidade da COP-30, Nazareno vê uma contradição.

"É como se fizessem uma festa e não limpassem o próprio quintal da casa. É difícil de aceitar", critica. "Quando a maré seca fica aquela coisa podre, como se fosse uma fossa viva."

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