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Minha casa fica num parque

CB, Cidades, p.24
15 de Jul de 2005

Minha casa fica num parque
Sem proteção nem infra-estrutura, 19 áreas de preservação do Distrito Federal são ocupadas por famílias e sofrem degradações. No Guará, foi criada até uma associação de moradores

Rachel Librelon

Em parque que não tem cerca nem infra-estrutura, tem casa. São 1.097 famílias vivendo em áreas que, pelo menos no papel, são reservas ambientais. Em 19 parques ecológicos há moradias, algumas de alvenaria, com energia elétrica e pintura desgastada pelo tempo. Sinal de que a invasão não é recente. Os dados são da Secretaria de Parques e Unidades de Conservação (Comparques). Os chamados invasores não se escondem: cercam as chácaras, colocam portões, criam cachorros, estendem roupa no varal, plantam pés de manga, de banana, fazem hortas. O mais invadido é o Parque do Retirinho, em Planaltina, com 326 propriedades particulares.
O secretário da Comparques, Ênio Dutra, garante que as ações para desocupar os parques são permanentes, mas explica que a retirada dos invasores é um trabalho que requer paciência. "Essas pessoas precisam ter para onde ir. Muita gente mora ali e tem outros imóveis, mas outros não têm nada", diz Dutra. Nesta semana, 23 famílias foram obrigadas a deixar o Parque das Copaíbas, no Lago Sul. A saída dos invasores do Parque Veredinha, em Brazlândia, está em fase de negociação. No Parque Ecológico e Vivencial do Retirinho, em Planaltina, a Comparques já sabe que das 326 famílias que moram ali, somente 98 se enquadram na classificação de carência para receber ajuda do governo.
Em novembro, 157 famílias que moravam no Parque Ecológico Ezechias Heringer, no Guará, foram transferidas para Samambaia. Mas, 69 ainda permanecem na reserva, por decisão judicial. A Secretaria de Habitação de Desenvolvimento Urbano (Seduh) trabalha em parceria com a Comparques para retirar os invasores. A Seduh apura quais têm direito a um lote. Para ganhar o terreno a família precisa estar no DF há mais de cinco anos, não ter outro imóvel e comprovar renda de até três salários mínimos. A retirada depende da disponibilidade de lotes, daí a demora.
Entre as famílias que ficaram na reserva no Guará está a do presidente da Associação de Moradores do Parque, Carlos de Araújo. Eva de Araújo, 51, mulher de Carlos, diz já nem saber há quantos anos vive no local. A casa foi parcialmente destruída e está fechada por tapumes e tecidos. Mas a horta está verdinha. A comunidade que vivia no parque, que contava até com igreja, acabou. Nas casas que restam, é difícil encontrar alguém. "A gente só fez cuidar disso aqui. Tiramos um pedaço de terra para viver e deixamos fechar o mato e o cerrado ao redor", diz Eva.
Casa de alvenaria
O Parque Ecológico Veredinha, em Brazlândia, é um exemplo típico de ocupação. Não há cerca nem estrutura no local. A Comparques estima que 51 famílias habitam o parque. Os moradores sabem que em breve deverão sair, mas querem um destino certo. Moro aqui há mais de 20 anos e não vou sair daqui para qualquer lugar, diz o vigilante Welington Martins, 34 anos. Ele vive em uma casa de alvenaria dentro da poligonal definida para o parque, servida com energia elétrica. A menos de cem metros, também dentro da unidade de conservação, funciona uma borracharia. "Tudo bem que se faça o parque, mas queremos ter para onde ir", garante o vigilante.
Vizinha de Wellington, a empregada doméstica Regina Oliveira, 39 anos, diz que criou os cinco filhos na casa de madeirite dentro do parque. Há 21 anos no local, ganha os primeiros netos, que permanecem com os pais na mesma construção improvisada. Contabiliza 12 pessoas dividindo o mesmo teto. A casa não tem energia elétrica nem água encanada. Também não há poço. A água que abastece a casa vem de uma nascente que fica a alguns metros do quintal. É lá que se lava a roupa, se toma banho e a meninada brinca. "Já vieram aqui diversas vezes dizendo que eu tenho que sair, que não posso usar dessa água. Mas para onde eu vou?", questiona a mulher.
No Parque Urbano e Vivencial do Gama são 29 famílias morando. Quem está lá, jura que comprou e pagou pelo terreno. A família Félix ocupa cinco barracos construídos em uma das extremidades do parque. A dona-de-casa Sandra Félix, 32 anos, conta que se mudou para o local há 14 anos, quando a filha mais velha nasceu. Ficou com um pedaço do terreno que o tio tinha ali. A última a chegar foi a prima, Maria Helena Felix, 34, que mora no barracão que fica um pouco ao fundo. "A gente não é contra o parque, mas somos a favor da gente", adianta Sandra. As marcações nas paredes dos barracos indicam que, há um ano, fiscais da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (Seduh) passaram pelo local. "Se derem o lote, como prometeram, a gente sai sem problema", afirma Maria Helena.

Impacto na natureza
Os parques de uso múltiplo - categoria que engloba os parques urbanos, vivenciais e recreativos -, são unidades de conservação que podem ser usadas para o lazer, práticas de atividades físicas e educação ambiental. Ninguém, à exceção do administrador ou responsável, pode viver nessas áreas.
"Onde tem gente morando há consumo de água, produção de lixo e de esgoto. Isso interfere diretamente na natureza", justifica Mara Moscoso, do Fórum das ONGs Ambientalistas. "Além disso, os animais domésticos, como o cachorro, podem transmitir doenças aos bichos nativos da fauna."
Com a retirada dos invasores, é preciso recuperar a área degradada. Segundo Mara, quase tudo o que foi destruído pela ação humana pode ser resgatado. "Temos tecnologia suficiente até para cultivar plantas em cascalho", explica.
Para o coordenador do Núcleo de Estudo Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Gustavo Souto Maior, a presença de moradores em um parque vai contra a finalidade para a qual ele foi criado, restringe o direito de uso da população e causa impacto ambiental. "Para fazer uma casa, é preciso desmatar, retirar água, despejar esgoto e depositar o lixo. Se muita gente fizer isso em um parque ao mesmo tempo, não há como conservá-lo", alerta.
Souto Maior atribui o grande número de pessoas nas áreas à falta de medidas para implementação das áreas. Ele critica a criação de parques sem recursos para mantê-los e propõe que a política para as unidades seja reavaliada. "São dezenas de parques e pouquíssima estrutura. Melhor seria criar um em cada região administrativa, cercá-lo e deixá-lo em condições para a comunidade", critica. (RL)

CB, 15/07/2005, Cidades, p. 24

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