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A mineração em terras indígenas

Diário de Cuiabá- Cuiabá-MT
Autor: JOÃO DAL POZ NETO
28 de Jun de 2002

As mãos manchadas de sangue indígena serão, talvez, a última marca dos 8 anos de governo do sociólogo Fernando Henrique! Quem se lembrará dos cinco dedos do marketing eleitoral ou as promessas do então candidato de 1994? A realidade foi, como se sabe, bastante diversa.

Não bastasse o que se passou durante as comemorações dos "500 anos" em Porto Seguro, cenas que a imprensa nacional e estrangeira alardeou à ufa. A foto daquele jovem terena, ajoelhado entre policiais armados e bombas explodindo, ilustrou toda a crua violência cotidiana contra os povos indígenas no Brasil. Mas para fechar com chave de ouro a sua passagem pelo poder, o presidente da República não se furtou a sancionar, no último dia 6 de junho, um vil acordo com as grandes empresas mineradoras nacionais e transnacionais. Pois qual outra razão para demitir o presidente da Funai e dar a sua benção às ações nefastas do senador Romero Jucá na seara indigenista? Tal medida abrupta causou verdadeiro assombro a todos os que acompanharam os esforços recentes de reorganização das diretrizes e dos quadros da Funai.

Dando dois passos atrás no que diz respeito à política de direitos humanos, ao atentar contra os direitos constitucionais dos povos indígenas e a integridade das suas terras, o governo FHC colocou-se no foco de novas suspeitas. Como reconheceu o próprio ministro da Justiça Miguel Reale Jr., o afastamento à socapa do presidente da Funai, o geólogo Glênio da Costa Alvarez, deveu-se à sua posição contrária à aprovação, a toque de caixa, do Projeto de Lei da Mineração em Terras Indígenas, de autoria do senador Romero Jucá.

Para os povos indígenas, os prognósticos são os piores possíveis. O caso do garimpo nos afluentes do rio Roosevelt, em terras dos Cinta-Larga, no estado de Rondônia, está aí para comprovar o desastre social, cultural e ambiental - e também econômico, fiscal e fazendário - que os interesses minerários são capazes de provocar nas terras indígenas. Crime ambiental, contrabando, alcoolismo, drogas, prostituição e violência desenfreada -, ou seja, todas as mazelas que o Ocidente capitalista é capaz de produzir! A jazida de diamantes no Roosevelt é, não por acaso, um dos primeiros alvos de Romero Jucá, e consta inclusive das justificativas do Projeto de Lei que ora tramita na Câmara de Deputados. O senador Jucá, do PSDB de Roraima, atual vice-líder do governo, é um ex-presidente da Funai que firmou contratos irregulares para exploração de madeira em terras indígenas e, agraciado como governador de Roraima pelo ex-presidente Sarney, excedeu-se em favor dos garimpeiros que, aos milhares, invadiram as terras dos Yanomami.

Tal qual uma obsessão recalcada, vemos aqui o mais torpe colonialismo retomar o seu antigo curso, ao sabor da sanha insaciável das elites econômicas mundiais diante das riquezas naturais que os povos indígenas estão a zelar. Nada importa, nem direitos, nem valores éticos ou critérios ambientais, apenas o preço e os lucros da madeira, dos minérios ou de qualquer geléia à venda no camelódromo global em que vivemos.

Umas poucas perguntas, contudo, não se deixam calar, nem mesmo em dias tão patrióticos como estes de Copa do Mundo. A quem interessa a extração mineral a qualquer preço? Quais mineradoras cabalaram a exoneração intempestiva do presidente da Funai? Quanto pagarão pelo serviço sujo de mais esta "ilegalidade"? Quais campanhas eleitorais serão irrigadas pelo sangue que escorre dos diamantes contrabandeados das terras dos Cinta-Larga em Rondônia e das terras dos Macuxi em Roraima? Quantas vidas indígenas tudo isto custará?

Enfim, qual futuro haverá para os povos indígenas nesse nosso Brasil?

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