VOLTAR

Metrópoles inchadas

O Globo, Ciência, p. 32
28 de Mar de 2012

Metrópoles inchadas
População das cidades quase dobrará até 2050, o que ameaça desenvolvimento sustentável

Roberta Jansen
roberta.jansen@oglobo.com.br
Enviada especial LONDRES

Nem nas florestas nem nos mares. Está nas cidades o mais urgente desafio socioambiental deste início de século. A urbanização do mundo foi o tema central da conferência Planeta sob Pressão, que acontece em Londres até amanhã e é o último grande evento ambiental global antes da Rio+20. Em apenas duas décadas, as cidades ocuparão uma área adicional de 1,5 milhão de quilômetros quadrados - o equivalente aos territórios de França, Alemanha e Espanha combinados -, segundo estudo divulgado ontem, no segundo dia da conferência.
Números das Nações Unidas mostram que a população mundial deverá chegar a 9 bilhões de habitantes até 2050 (hoje somos 7 bilhões), e que a maior parte se concentrará nos centros urbanos. Além disso, segundo a ONU, as migrações do campo devem aumentar em 1 bilhão de pessoas o contingente das cidades. Com isso, elas abrigarão, até 2050, 6,3 bilhões de pessoas, quase o dobro dos 3,5 bilhões atuais. O desafio, de acordo com os cientistas, é como transformar em área sustentáveis estes locais tão inflados.
Os padrões atuais de ocupação das cidades, segundo Michail Fragkias, especialista da Universidade Estadual do Arizona, geram graves problemas ambientais, colocando a Humanidade em risco. Fragkias lembra que, há um século, existiam menos de 20 cidades em todo o mundo com mais de um milhão de habitantes. Hoje, há 450. E, embora cubram apenas 5% da superfície terrestre, elas são as maiores consumidoras de recursos naturais do planeta.
- A forma como as cidades cresceram desde a Segunda Guerra Mundial não é sustentável nem social nem ambientalmente - criticou Karen Seto, da Universidade de Yale, especialista em crescimento populacional. - O custo ambiental para manter esta expansão é muito alto.
Em todo o mundo, disse a especialista, as pessoas adotaram o modelo ocidental de arquitetura e urbanização, que demanda um alto uso de recursos naturais e, muitas vezes, sequer é adaptado aos climas locais.
Reengenharia urbana é fundamental
Ela admite, no entanto, que não há como evitar a urbanização do planeta, embora seja possível conduzir esta etapa de forma sustentável. O melhor modo de fazê-lo foi um dos tópicos debatidos ontem na conferência, no dia dedicado a buscar soluções para os problemas ambientais que serão abordados na Rio+20, em junho.
Diretor do Projeto Carbono Global, Shobhakar Dhakal afirmou que reformar as cidades e planejar melhor sua expansão são as melhores saídas.
- A reengenharia das cidades éurgente para a sustentabilidade global - ressaltou. - Quanto às novas áreas, há a vantagem de já termos conhecimento, pensamento sustentável e tecnologia para lidar melhor com questões fundamentais como transporte e resíduos.
A questão climática também é essencial, segundo os cientistas.
Atualmente, 70% das emissões mundiais de CO2 estão relacionadas às necessidades das áreas urbanas.
Em 1990, as emissões de CO2 das cidades eram estimadas em 15 bilhões de toneladas métricas, número que saltou para 25 em 2010. Estima-se que, se nada for feito, a cifra chegará a 36,5 bilhões em 2030.
De acordo com especialistas, as novas áreas urbanas deveriam levar em conta, por exemplo, a adoção de medidas para reduzir o tráfego de automóveis e os congestionamentos, que causam desperdício de combustível, poluição e mais emissões de CO2.
- Nosso foco deve ser no sentido de melhorar a qualidade da urbanização, desde o espaço propriamente dito à infraestrutura, passando por estilo de vida, energia e eficiência - explicou Dhakal.

Alterar o padrão de consumo é o maior desafio

Mudar as mais populares formas de consumo hoje no mundo ocidental teria um efeito positivo para um planeta mais sustentável, mas estes hábitos são muito difíceis de serem alterados.
Foi esta a constatação exposta ontem, na plenária da manhã do Planeta sob Pressão, pela ecologista Pamela Collins, da Escola Politécnica de Lausanne, na França.
- As pessoas consomem itens de que não precisam; elas gostam de consumir. Mais do que isso, são persuadidas a consumir. Todo o marketing atual é nesse sentido - afirmou.
- Então, se ficarmos dizendo "você é mau, você dirige um carro", não vai adiantar nada.
Temos que encontrar uma forma de dizer, por exemplo, que é legal andar de bicicleta. A exemplo do que houve depois da Segunda Guerra Mundial, precisamos criar um novo estilo de patriotismo, um patriotismo global, que diga "sim, você pode fazer algo".
Estimativas mostram que, em 2050, 2 bilhões de pessoas pertencerão à classe média.
Embora não seja uma tarefa simples, Pamela acredita que é possível mudar padrões de consumo tão arraigados e disseminados no Ocidente.
- Acho que tudo é possível, dependendo das prioridades e do conhecimento. As pessoas não são más. Elas não têm consciência de que, ao consumir desta forma, estão tirando de outras pessoas. Por exemplo, quando compramos uma TV nova, o que fazemos com a velha? Reciclamos, o que pode ser difícil, ou simplesmente jogamos fora sem pensar, por exemplo, que sua corrosão pode contaminar a água?
Se muita gente já aprendeu a fechar a torneira enquanto escova os dentes ou mesmo a preferir carros híbridos, Pamela acredita que ainda é possível avançar.
- Sozinho ninguém faz nada, claro. Mas somos parte de algo. Cada decisão individual ajuda a moldar a economia global. (Roberta Jansen)

Crescimento fora de controle

Até 2030, as cidades ocuparão uma área adicional de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, o equivalente aos territórios de França, Alemanha e Espanha combinados.

Até 2050, a população do planeta chegará a 9 bilhões de habitantes, dos quais 6,3 bilhões viverão em cidades.

Dos novos habitantes das cidades, 1 bilhão virão do campo.

Hoje, as cidades ocupam 5% da Terra, mas 70% das emissões mundiais de CO2 estão relacionadas às suas necessidades.

Quinze bilhões de toneladas métricas de carbono eram liberadas pelos centros urbanos em 1990. Em 2010, foram 25 bilhões.

Há um século, menos de 20 cidades tinham um milhão de habitantes; hoje, são 450.

O Globo, 28/03/2012, Ciência, p. 32

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.