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Metas pela metade

O Globo, Sociedade, p. 17
05 de Jan de 2015

Metas pela metade
ONU traça novos objetivos contra desigualdade no planeta sem países cumprirem plano atual

Renato Grandelle

RIO - É hora de pensar nos próximos 15 anos. O mundo está às vésperas do fim da maior carta de intenções já escrita contra chagas como a miséria, a mortalidade infantil e a falta de acesso à escola. Em 2000, 189 países comprometeram-se a cumprir oito metas até 2015, que culminariam na redução da desigualdade social no planeta. Os Objetivos do Milênio, como foram chamados pela ONU, tiveram resultados abaixo do esperado. Um dos alvos, por exemplo, era erradicar a fome, mas 800 milhões de pessoas ainda não têm o que comer.
Enquanto os governantes se debruçavam sobre esta pauta, outros problemas ganharam força fora dos holofotes. A Agenda pós-2015 inclui questões ignoradas até agora, como as mudanças climáticas e o crescimento descontrolado da população, que ameaçam a qualidade da água potável e a segurança alimentar. O esboço de um novo acordo global foi apresentado no mês passado e deve orientar, a partir de setembro, as discussões dos novos Objetivos mundiais.
- O Programa dos Objetivos do Milênio foi um marco na História da Humanidade, e alguns itens, em especial a redução de pobreza, foram atingidos no agregado - avalia Bernardo Strassburg, diretor executivo do Instituto Internacional de Sustentabilidade e professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio. - Mas não era um acordo verdadeiramente global, já que não previa metas para os países desenvolvidos, e não abordava a proteção de sistemas naturais.
A crítica de Strassburg é corroborada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Para o órgão, os temas que menos avançaram na agenda internacional são a segurança alimentar, a transição para a agricultura sustentável e o uso racional de recursos naturais, como água, terras agrícolas, solo, florestas e oceanos:
"O mundo hoje é mais conectado do que em 2000. Há uma preocupação crescente de que os recursos do planeta são compartilhados, limitados e precisam ser cuidados. Como é amplamente reconhecido, os Objetivos do Milênio não dedicaram atenção suficiente à necessidade de uma administração mais eficaz destes temas", criticou a FAO, em seu site.
Jornalista e autor do livro "Contagem regressiva: nossa última e melhor esperança de um futuro na Terra" (ed. LeYa), Alan Weisman considera que os Objetivos não passaram de uma fraca tentativa de responder a problemas mundiais.
- Sempre julguei as metas como um gesto nobre em busca da justiça socioeconômica, mas irrealista em relação ao que pode ser feito em um planeta cuja população cresce de uma forma tão rápida - assinala. - O mundo ganha 1 milhão de habitantes a cada quatro dias e meio. Isso torna praticamente impossível erradicar a fome. Nos próximos 50 anos, vamos precisar produzir mais comida do que aquilo que consumimos durante toda a História da Humanidade.
Segundo a FAO, "é consenso que a comida - sua forma de produção, embalagem e consumo - está no cerne do desenvolvimento sustentável. O aumento da produção de alimentos e o uso de recursos naturais de forma sustentável estão entre os maiores desafios do nosso tempo".
AMEAÇA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
A organização desfila uma série de estatísticas ilustrando em que encruzilhada o homem se meteu. Boa parte deve ser acentuada pelas mudanças climáticas. Estima-se que, mantendo o ritmo atual de emissões de gases-estufa na atmosfera, a temperatura média global pode subir mais de 4 graus Celsius até o fim do século. Os estragos, porém, serão vistos muito antes. De acordo com Weisman, a cada aumento de 1 grau Celsius, a produção de grãos pode diminuir 10%. As maiores vítimas podem ser as culturas de arroz, milho, trigo e batata, que correspondem a 60% da ingestão energética do homem.
- A elevação do nível do mar vai inundar solos férteis, como o delta dos rios - alerta. - Regiões usadas para o cultivo do arroz, por exemplo, estão entre as mais ameaçadas.
Atualmente, cerca de 2,5 bilhões de fazendeiros e pescadores estão vulneráveis a desastres ambientais. E duas entre cada três pessoas viverão, em 2025, em países que devem sofrer escassez hídrica.
- Há uma grande sinergia entre as metas de progresso econômico, social e ambiental - destaca Strassburg. - É muito mais fácil ter uma economia sadia a longo prazo se a base de recursos humanos e ambientais for usada de forma sustentável e justa, e é muito mais fácil reduzir a pobreza com uma economia forte e de meio ambiente conservado.
Para David Kaimowitz, diretor de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Ford, os novos problemas são tão graves que podem comprometer as conquistas dos Objetivos do Milênio.
- As metas estabelecidas em 2000 ajudaram a reduzir a pobreza extrema e a aumentar a saúde a educação global, mas também distraíram os tomadores de decisão de outros assuntos importantes, como corrupção e mudanças climáticas - ressalta. - Se queremos avançar, precisamos encontrar uma maneira para lidar com estes assuntos. Se não abordá-los, todo o progresso obtido nos últimos 15 anos pode ser perdido.
O especialista considera que a Conferência do Clima de Paris, no fim do ano, será um momento crucial para conter os desmandos das mudanças climáticas:
- Acredito que o mundo passará por um progresso gradual no trato às mudanças climáticas. Mas ainda não sabemos se isso será suficiente para evitar um enorme desastre - pondera. - O ano passado mostrou que não estamos lidando apenas com uma crise climática. Os diferentes impactos do desflorestamento e do uso da terra influenciam muito mais do que pensávamos a temperatura, o regime de chuvas e os padrões de vento. A estiagem recente em São Paulo é um exemplo de como este assunto deve ser levado a sério.
Weisman, porém, está pessimista em relação aos resultados do encontro.
- A conferência precisa ser diferente de qualquer outra já realizada - adianta. - Toda a comunidade internacional precisa pensar a longo prazo e fazer muito mais do que está prometendo. Devemos esperar uma ação séria, mas sinceramente ficarei surpreso se isso acontecer.
FALTA DE RECURSOS AOS MAIS POBRES
Uma crítica comum ao programa dos Objetivos do Milênio é a falta de recursos destinados aos países menos desenvolvidos. Com esta limitação, seus resultados foram muito mais modestos do que os de algumas nações emergentes.
Um dos países mais pobres da América Latina, o Haiti não cumpriu nenhum dos oito objetivos impostos pela ONU. O Brasil, por sua vez, já atingiu quatro metas (erradicar a pobreza extrema, combater a Aids, proporcionar o ensino básico universal e igualdade de gênero). Os outros (reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, assegurar a sustentabilidade ambiental e firmar parcerias para o desenvolvimento) serão "muito provavelmente atingidos", segundo o site MDG, que acompanha o desempenho de todos os países.
- O progresso foi muito desigual, e o financiamento dos países desenvolvidos ficou muito aquém do prometido - critica Strassburg. - (A criação de) um mecanismo de cobrança tornaria o próximo programa mais efetivo, mas acho muito difícil algo assim ser aprovado na ONU. Os países tendem a proteger muito a própria soberania.

O Globo, 05/01/2015, Sociedade, p. 17

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/paises-nao-cumprem-m…

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