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Metas de Aichi e terras indígenas, um caminho a seguir

O Globo, Caderno Especial Dia Mundial do Meio Ambiente, p. 7
Autor: RAMOS, Adriana; BARROSO, Marivelton
05 de Jun de 2021

Metas de Aichi e terras indígenas, um caminho a seguir

Comunidades tradicionais, como a do Rio Negro, mostram seu valor para a preservação ambiental ao servir como barreira ao desmatamento e à degradação da Amazônia

Adriana Ramos e Marivelton Barroso

As coisas não andam boas para nós, Homo sapiens. Crise hídrica de um lado, cheia recorde de rios amazônicos de outro. Pandemia de Covid-19 em risco iminente de novas ondas e variantes. Enquanto isso nos afeta no Brasil, o degelo das calotas polares não dá trégua. Mas esse quadro de fim de mundo precisa motivar nossa ação, e não nos paralisar.

Em 2010, na Província de Aichi, no Japão, as propostas para redução da perda da biodiversidade global se transformaram nas 20 Metas de Aichi. Dez a nos depois, o desempenho das metas ficou muito abaixo das expectativas. Mas os resultados seriam infinitamente piores se não fossem os territórios indígenas protegendo e servindo de barreira para o desmatamento e a degradação ambiental.

O Brasil supera em muito a meta 11 de Aichi, de ter no mínimo 17% de áreas protegidas, por conta das suas 488 terras indígenas, que representam cerca de 12,2% do território nacional. O papel que os mais de 300 povos indígenas e seus territórios têm na proteção das florestas e na conservação da biodiversidade já é mais do que comprovado.

Temos no Amazonas, por exemplo, a maior área úmida de importância internacional do planeta, com 12 milhões de hectares, englobando oito terras indígenas de 23 etnias. É o Sítio Ramsar Rio Negro, título conferido pela Convenção Ramsar de Zonas Úmidas, durante o 8o Fórum Mundial da Água, em 2018. Essa região de beleza cinematográfica, com imensa vocação para o turismo indígena de base comunitária, também vai ao encontro de duas Metas de Aichi (14 e 18), que apontam as terras indígenas e seus povos como ecossistemas e populações guardiãs e provedoras de serviços essenciais de água e saúde planetária.

Em especial, a meta 18 nos orienta a dar efetiva participação das comunidades indígenas na busca por inovações relevantes à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade, além de valorizar os conhecimentos tradicionais. O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, tombado pelo Iphan como patrimônio cultural do Brasil, é tradução disso.

A agricultura indígena rionegrina é reconhecida pela capacidade de domesticar as espécies nativas e aumentar sua biodiversidade, um manejo sofisticado que remonta há pelo menos três mil anos de ocupação indígena, sem degradação ambiental. Pelo contrário, as pesquisas já mostram que esse manejo fez aumentar a biodiversidade na Amazônia.

Foi nessa região, de tantos potenciais sustentáveis e contribuição ao clima global, onde esteve na última semana o presidente Jair Bolsonaro, insistindo em modelos de desenvolvimento ultrapassados, desejando abrir as terras indígenas para mineração, garimpo e agronegócio.

O trem da História e os povos indígenas nos guiam para outros caminhos possíveis para preservar a biodiversidade e salvar a nossa própria pele como espécie viva deste planeta, enquanto temos tempo e territórios indígenas segurando o céu.

Adriana Ramos é coordenadora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental

Marivelton Barroso é presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

O Globo, Caderno Especial Dia Mundial do Meio Ambiente, p. 7.

https://oglobo.globo.com/sociedade/um-so-planeta/artigo-metas-de-aichi-…

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