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Memória do crime

O Globo, Segundo Caderno, p. 1
30 de Set de 2008

Memória do crime
O americano Daniel Junge apresenta o documentário ´Mataram irmã Dorothy´ e garante: ´Todos são culpados´

André Miranda

Em 12 de fevereiro de 2005, as atenções mundiais se voltaram para o pouco conhecido município de Anapu, no interior do Pará, quando uma missionária americana foi assassinada a tiros. Aos 73 anos, a irmã Dorothy Stang, uma freira que morava no Brasil há quase 40 anos e denunciara a atuação de grileiros na região, foi morta numa estrada da Floresta Amazônica. O que de fato aconteceu e quais foram as repercussões do crime são as questões desenvolvidas pelo documentário "Mataram irmã Dorothy", do americano Daniel Junge, que tem exibições hoje, às 15h15m e às 18h30m, no Centro Cultural Justiça Federal, pelo Festival do Rio.
Antes de ler sobre o assassinato na imprensa americana, o documentarista Junge nunca havia ouvido falar de Dorothy Stang. Segundo ele, o interesse nasceu pelo inusitado do caso, pela vontade de entender o que tinha acontecido.
- Foi uma grande história, não só aqui, mas em todo o mundo. A primeira coisa que eu pensei foi em arrumar minha mochila e partir para o Pará. Mas seria impossível para um estrangeiro fazer isso. Só que eu descobri que o irmão de Dorothy morava na minha cidade, em Denver. Então eu o procurei e perguntei se ele viria para o Brasil. Ele disse que iria viajar em dois dias. Aí eu tive dois dias para preparar a viagem. Foi minha primeira ida ao Brasil - diz.
Desde então, foram muitas viagens. As filmagens do documentário começaram exatamente dez dias após o assassinato e duraram até 2007. Por estar ao lado do irmão de Dorothy, Junge teve acesso a detalhes do processo e entrevistou tanto defensores da freira quanto seus detratores. Entre esses está o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, considerado o principal suspeito de ser o mandante do crime, mas absolvido, em maio de 2008, pela Justiça do Pará.
- Injustiça existe em todos os lugares. No Brasil ou nos Estados Unidos. Mas, neste caso, é muito curioso que ele tenha sido solto. Porque, como se pode ver no filme, os fatos estão muito claros. Eu não consigo entender como ele está fora da prisão - afirma Junge.
O diretor, porém, faz questão de deixar claro que não veio ao Brasil para dar exemplos "imperialistas" do que é certo ou errado. Junge, que hoje entende bem português, mas ainda não se arrisca a falar nosso idioma, atribui a culpa do crime a toda uma conjuntura de fatores, e não apenas a falhas na sociedade brasileira.
- É muito fácil para um estrangeiro olhar para o Pará e achar que o crime aconteceu porque havia uma mulher muito doce fazendo coisas boas, até chegar um homem mau e matá-la. Mas a verdade é que a questão é bem mais complexa. Há muitas razões para o que aconteceu e há muitas pessoas culpadas. Não se trata apenas de quem apertou o gatilho, mas, de certa forma, de toda a sociedade, o governo. Até nós, americanos, somos responsáveis também, porque estamos envolvidos em atividades ilegais na região. Todos são culpados - diz ele.
- Uma coisa muito importante é que a Dorothy era um ser humano. Ela não era uma santa, mas foi uma pessoa que foi capaz de morrer pelo que acreditava.
O tema poderá ser discutido com mais profundidade hoje. Logo após a exibição noturna de "Matar a m irmã Dorothy", no Centro Cultural Justiça Federal, haverá um debate com a presença de Junge; do procurador da República Felicio Pontes; da missionária Julia Depweg, que atuava ao lado de Dorothy no Pará; de Paulo Adário, um dos fundadores do Greenpeace no Brasil; e de Dom Flávio Giovenalle, bispo que está ameaçado de morte no Pará. A mediação será do ator Wagner Moura, que é o responsável pela narração do documentário (na versão em inglês, a narração é de Martin Sheen).
- Eu cheguei ao Brasil em 1963, e a Dorothy chegou em 1965. Apesar de sermos da mesma congregação, as Irmãs de Notre Dame de Namour, só nos conhecemos aqui. Antes do assassinato, ela já estava sendo ameaçada, mas disse que não poderia deixar o país, porque não queria abandonar o povo - afirma irmã Julia

O Globo, 30/09/2008, Segundo Caderno, p. 1

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