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Meio ambiente: o momento é agora

CB, Opinião, p. 19
Autor: FELDMANN, Fábio
06 de Jun de 2007

Meio ambiente: o momento é agora

Fábio Feldmann
Advogado, é coordenador do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas.Coordenou o Fórum Nacional de Mudanças Climáticas e foi deputado federal por São Paulo

Toda Semana do Meio Ambiente leva-nos a pensar sobre o seu significado nas políticas públicas, no nosso cotidiano, na relação entre presente e futuro. Neste ano, principalmente, a divulgação dos últimos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, segundo os quais já estaríamos trafegando entre os sinais amarelo e vermelho, coloca a humanidade perante seu maior desafio, que é redirecionar agora sua ação sobre o planeta.
Há 15 anos, a maior Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, gerou compromissos de mudanças globais no rumo de um desenvolvimento sustentável. Dez anos mais tarde, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo, 2002) pretendia avaliar os resultados de 1992 e criar novos mecanismos institucionais e legais para dar dentes ao tigre, isto é, estabelecer metas e garantir seu cumprimento pelos países. Foi frustrante.
Constatou-se que tanto se agravava a degradação ambiental, representada pela erosão da biodiversidade e aumento de gases do efeito estufa, quanto aumentava a pobreza e a desigualdade social.
Hoje, um dos maiores déficits no pós-Rio 92 está no campo institucional, pela incapacidade da ONU de garantir interlocução política no nível indispensável para que as políticas globais e as nacionais sejam fortes, efetivas e integradas. Tudo acontece como interminável rotina diplomática, desligada da vida real. Resultado: pouca evolução concreta, fragmentação em tratados pontuais, sinergia praticamente nula, tergiversação, hipocrisia.
Clima é tratado como se fosse distinto da biodiversidade; subsídios agrícolas parecem pertencer unicamente às negociações de Doha etc. etc. E o tempo vai passando. Andamos com incrível lerdeza no enfrentamento de um dos maiores desafios do mundo contemporâneo, que é a dificuldade de coordenação de políticas e estratégias que, a rigor, são inseparáveis. Isso fica claro na questão climática, pois é impossível tratá-la sem levar em conta que a matriz energética do planeta define em grande parte a geopolítica mundial, o que explica por que os EUA não assinaram o Protocolo de Kyoto ou, por seu lado, por que o governo inglês propôs que o tema do aquecimento global fosse submetido ao Conselho de Segurança da ONU.
O Brasil do governo Lula não percebeu a oportunidade do momento, insistindo em uma posição defensiva no cenário internacional, quando poderia liderar os esforços para um novo desenho institucional das Nações Unidas, o que poderia lhe trazer o tão almejado prestígio perante a comunidade internacional. Continuamos a pensar e agir na esfera internacional com modelos mentais reducionistas, pleiteando uma soberania discursiva e ultrapassada, que não enfrenta as questões atuais na sua complexidade.
No plano interno continuamos no velho e equivocado dilema crescimento econômico versus meio ambiente, reivindicando um direito ao desenvolvimento que se confunde ainda com direito à poluição. Quando compreenderemos e assumiremos que o maior sinal de alerta dado pela aceleração do aquecimento global diz respeito à urgência de radical reformulação institucional, conceitual e de atitudes?
Por que o Brasil não propõe e articula uma Cúpula Mundial sobre o Clima que possa ser um marco histórico na tomada de decisão de chefes de Estado em favor do planeta e da humanidade? E que engaje com mais clareza a sociedade civil e o setor empresarial, atribuindo-lhes maiores responsabilidades e poderes na implementação de soluções?
Nenhum outro país pode assumir com tanta legitimidade essa linha de frente. Mas o vazio de liderança permanece, embora o Brasil tenha condições objetivas para preenchê-lo: diplomacia bem preparada, lideranças empresariais e da sociedade civil experientes e respeitadas, comunidade acadêmica e científica com reconhecimento e participação internacional, mídia antenada e com nichos de excelência nos temas socioambientais, com enorme influência potencial na formação de opinião pública. E um presidente que tem carisma, audiência e uma biografia respeitável, mas que até o momento não revelou nenhuma inclinação especial pelo tema, exceto em manifestações pontuais a que não tem correspondido a férrea determinação que a situação exige.
Tudo isso se reflete na posição desconfortável da ministra Marina Silva, que, na prática, enfrenta a visão imediatista de crescimento econômico a qualquer preço, grosseiramente simbolizada pelo falso impasse "bagre versus apagão". Por seu lado, a redução do poder crítico da sociedade (talvez pela maior proximidade com o governo, entre outras razões), é erro estratégico, pois o grande ativo dos avanços ambientais está exatamente na inovação propositiva e na capacidade de mobilização já demonstradas pelas ONGs e movimentos sociais. Se no curto prazo isso redunda em tensões e aparentes transtornos, a médio prazo dá sustentabilidade política aos setores ambientais públicos.
Por fim, é importante assinalar que existe um momentum privilegiado, que não pode ser desperdiçado, dado pela junção das trajetórias de Lula e de Marina Silva. Se quiserem, eles têm legitimidade para contribuir com muito mais força e ousadia para se construir um marco divisor na trajetória da humanidade. E certamente terão apoio da sociedade brasileira como um todo, independentemente de sigla partidária e da conjuntura política nacional.

CB, 06/06/2007, Opinião, p. 19

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