VOLTAR

Meio ambiente na pauta de Dilma nos EUA

Valor Econômico, Brasil, p. A2
Autor: LEO, Sergio
29 de Jun de 2015

Meio ambiente na pauta de Dilma nos EUA
Produção em bases sustentáveis deixou o gueto ambientalista

Sergio Leo

Mencionado apenas marginalmente nos relatos sobre a visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, o tema do meio ambiente motivou intensas negociações, nos últimos dias, entre os governos brasileiro e americano. Dilma pretende fazer um anúncio "robusto sobre o tema, mas não quer se comprometer com metas de redução" de emissões de gases, como insistiu o governo Obama. Seria uma boa oportunidade, porém, para a presidente divulgar ideias inspiradas pelo novo código florestal, como a de recuperação florestal, como forma de combater a emissão de gases de efeito estufa.
As tecnologias de energia renovável e as exigências de produção em bases sustentáveis deixaram o gueto ambientalista e ganham espaço nas estratégias governamentais e práticas empresariais. Executivos brasileiros que mantêm contatos com os chineses notaram, neste ano, nas missões de empresários e autoridades da China ao Brasil, a substituição dos antigos slogans como "ganha-ganha" (win-win), que marcavam o discurso oficial, por um novo bordão: "sustainability" (sustentabilidade). A cooperação científica e tecnológica com as grandes potências mundiais passa obrigatoriamente por esse tema.
O presidente Barack Obama promove uma aproximação com países emergentes para garantir o sucesso da conferência do clima em Paris, no fim do ano, que ele pretende somar à sua coleção de recentes êxitos políticos. O governo Dilma compartilha com a Casa Branca o interesse em mostrar que os países emergentes também devem dar uma forte contribuição ao esforço contra o aquecimento global.
O compromisso brasileiro em reduzir as emissões de carbono que aumentam a temperatura global pode ser elemento importante na estratégia americana de extrair maior comprometimento também de emergentes como a superpopulosa Índia.
O Brasil, que reduziu a taxa de desmatamento a pisos históricos nos últimos anos (apesar da legítima preocupação com o potencial aumento na taxa mais recente), tem condições de se transformar em um bem-sucedido exemplo de transição para uma economia de baixo carbono. A colaboração com os EUA em matéria de tecnologia e investimento é um dos caminhos discutidos pelos dois países.
O setor privado brasileiro, desde dezembro, tem uma coalizão empresarial voltada à proteção e uso sustentável de florestas, mitigação, agricultura sustentável e adaptação para as mudanças climáticas. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, patrocinada por empresas como Gerdau, Cenibra, Copersucar, Veracel e Klabin, é, por enquanto, uma reunião de boas intenções. Mas já incorporou compromissos como a exigência de rastreabilidade de madeiras usadas na produção, cobrança de exigências do código florestal na cadeia de fornecedores e criação de inventários sobre emissão de gases do efeito estufa e planos para mitigar emissões.
Também nessa iniciativa, que é acompanhada criticamente por ONGs como Greenpeace e SOS Mata Atlântica, a ideia de desmatamento zero vem dando lugar ao "desmatamento ilegal zero" e "desmatamento líquido zero", ou seja: a retirada de cobertura florestal é permitida dentro das regras do código florestal brasileiro, mas exige-se o replantio em matas degradadas e a recuperação de florestas nativas em áreas prioritárias, como prevê a lei. Atividades de impacto ambiental, como a pecuária, seriam estimuladas a buscar métodos mais sustentáveis de produção.
O tema ambiental não se limita às florestas. Dilma, que, em agosto recebe em Brasília outro ator importante desse debate, a chanceler alemã Angela Merkel, tem cobrado da equipe de governo propostas de mudanças na estrutura produtiva e na pesquisa tecnológica que sustentem metas ambiciosas de redução de emissões de gases do efeito estufa para após 2020. O desflorestamento, que, dez anos atrás, respondia por 58% do aumento de emissões de gás estufa no Brasil, em 2012 passou a representar 15% do total. Produção de energia e pecuária respondem por quase 40%.
Na declaração final da visita de Dilma aos EUA deve constar o apoio e cooperação americanos à ambição do governo brasileiro, de novas trajetórias tecnológicas, mais sustentáveis. A cooperação para ampliar o uso de energia renovável é um dos pontos mais importantes na discussão entre as equipes de Dilma e Obama, embora o ministério de Minas e Energia, na semana passada, ainda relutasse em aceitar a fixação de metas nessa área.
Numa viagem marcada pelo esforço - até físico, no caso do ministro Joaquim Levy, que foi aos EUA apesar de sintomas de embolia - para convencer empresários e outros investidores a apostar na política econômica brasileira, a questão comercial também não é um detalhe. Nos últimos meses, apesar do esfriamento das relações políticas devido à revelação de espionagem americana sobre autoridades e empresas brasileiras (inclusive sobre a própria Dilma), o ministério do Desenvolvimento conseguiu fazer avançar uma importante negociação de facilitação de comércio, remoção de barreiras técnicas, custos e burocracia no comércio bilateral.
"Com o avanço do acordo de facilitação, as empresas dos EUA poderão ter no Brasil uma extensão de suas operações no território americano e vice-versa", ressalta o diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Thomas Zanotto. Para ele, as baixas tarifas alfandegárias americanas não chegam a ser um empecilho ao comércio bilateral -especialmente após a renovação, em junho, do Sistema Geral de Preferências nos EUA, que garante condições especiais de entrada dos produtos brasileiros. A abertura permitida pela redução de obstáculos técnicos e burocráticos ao comércio terá efeitos notáveis na relação bilateral, aposta.
Assombrada por fantasmas dos escândalos de corrupção no Brasil e as crises na economia e na política, Dilma tem, nessa visita aos EUA, a chance de conviver com notícias positivas para melhorar as expectativas. Cabe ao governo fazê-las render, para além da propaganda.

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro "Ascensão e Queda do Império X", lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras
E-mail: sergioleo.valor@gmail.com

Valor Econômico, 29/06/2015, Brasil, p. A2

http://www.valor.com.br/brasil/4112400/meio-ambiente-na-pauta-de-dilma-…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.