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Medo e pesadelo na Aldeia Bugio

Diário Catarinense - Florianópolis - SC
Autor: José Boiteux
25 de Mar de 2001

Denuncia de tortura em José Boiteux foi enviada ao Ministério da Justiça

A luta pela terra está custando caro para os índios da Aldeia Bugio, entre os municípios de Itaiópolis e José Boiteux. Os Xokleng sentem-se intimidados. Estão com medo de sofrer mais violência, como na manhã do dia 12. Crianças, jovens e idosos não esquecem a invasão da Polícia Militar na área, sob alegação de cumprimento de ordem judicial. O documento expedido pela juíza Iraci Shioquetti, de Ibirama, referia-se à posse da Fazenda Ipê para a empresa Manoel Marchetti Indústria e Comércio Ltda. A fazenda localiza-se Ribeirão do Óleo, em José Boiteux, e conforme levantamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) está dentro da terra indígena. No final do ano passado os Xokleng a retomaram a fim de apressar o processo de demarcação da terra, paralisado no Ministério de Justiça. De acordo com a Funai, desde fevereiro não havia mais indígenas ocupando o local. A denúncia de tortura foi enviada ao ministro da Justiça José Gregori, constando alguns questionamentos sobre a regularidade da ação.
Eram 25 os PMs que participaram da ação. A PM diz ter estado na aldeia para garantir o cumprimento da ordem judicial. Um grupo de índos estava sendo levado para a consulta médica. Houve tentativa de fuga, perseguição, maus-tratos, prisão de seis índios. A polícia utilizou bomba de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Residências foram invadidas.
Várias pessoas ficaram feridas. Laudo pericial confirmou as agressões. Entre os 11 índios abordados na curva de uma estrada, um homem usando muletas, uma mãe e seu bebê com seis dias, pessoas idosas e uma criança de dois anos.
O cacique Bazílio Lili Priprá, que dirigia uma kombi da Fundação Nacional do Índio (Funasa) - foi agredido e algemado. No corpo do índio Samuel Cuzug Priprá, 33 anos, hematomas resultantes dos chutes recebidos. Ilsa Coctá Priprá, que estava doente há três dias, conta que ao sair da kombi os policias tentaram algemá-la. Um policial disse que Ilsa estava reagindo a ordem de prisão. "Fui espancada nas pernas, cabeça e abdômen", relata. Antônia Priprá se encontrava no interior da Kombi com o filho de seis dias e a outra criança. "Os policiais apontavam a arma na minha direção e ameaçavam jogar a kombi na grota (ribanceira)", denuncia.
A professora Miriam Vaicá Priprá estava em casa com quatro filhos e cinco alunos quando ouviu os gritos do cunhado, Adailson da Silva. Abriu a porta e viu policiais correndo atrás dele. Os PMs entraram na casa, derrubando móveis e empurraram a professora. Adailson apanhava de cacetete, enquanto alguns policiais apontavam as armas para a casa de Miriam.
SAIBA MAIS

Bala de borracha

"Eu estava em casa cuidando dos netinhos. O meu marido capinava uma lavoura. Ouvimos os tiros e eu disse: Meu Deus! Eu sou evangélica e acredito muito em Deus. Eu saí correndo para a estrada e vi meu filho sendo perseguido. A polícia estourava bomba para tudo que é lado. Tinha tanta fumaça (bomba de gás lacrimogêno) que a gente nem sabia onde botava o pé. Uma bala de borracha atingiu o meu seio direito. Nunca senti tanta dor na vida. Ainda está inflamado." (Melissa, 66 anos)

A muleta como defesa

"Eu estava indo para o hospital na Kombi da Funasa. A gente ouviu tiros e o motorista parou. A polícia estava toda armada. O Samuel (um dos índios envolvidos no conflito) caído no chão. Pedi para o cacique dizer para eles não baterem no rapaz. Eu estava com a muleta (fez cirurgia no joelho) e pedia calma. Eram tiros, muitos tiros, bala de borracha para tudo que é lado. Quando algemaram o cacique eu avancei. Ele é nossa liderança." (Paulo, 54 anos)

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