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A matança das focas e do resto do planeta

Isto É, Ciência, Tecnologia & Meio Ambiente, p. 44-46
06 de Abr de 2005

A matança das focas e do resto do planeta
Levantamento das Nações Unidas elaborado durante quatro anos por 1.500 especialistas de 95 países mostra que a atividade humana degradou dois terços da natureza e que as conseqüências virão nos próximos 50 anos

Darlene Menconi

O desenvolvimento humano sempre se traduziu em impacto à natureza. Os projetos de engenharia implicam rasgar trilhas, derrubar árvores e afastar certos animais de seu ambiente. Para erguer cidades com o conforto da modernidade, é preciso ainda desviar o curso dos rios, nutrir e irrigar lavouras, produzir comida e combustível para a população. Desde os primórdios da industrialização, em 1750, o ritmo dessas intervenções se acelerou. Houve ganhos para o bem-estar e o progresso econômico, só que o custo foi alto demais. Resultado: nos últimos 50 anos, a humanidade se expandiu num tal ritmo que aumentou o risco de um colapso da natureza. As consequências podem vir como proliferação de doenças, falta de alimentos e surgimento de "zonas mortas", sem peixes, em pleno mar.

Há tempos essas queixas integram a cartilha ecológica. A novidade é que o diagnóstico sobre o planeta partiu da Organização das Nações Unidas (ONU) e foi realizado durante quatro anos por quase 1.500 especialistas de 95 países. Batizado de Avaliação Ecossistêmica do Milênio, o estudo faz um alerta dramático: "A atividade humana solicitou tanto da natureza que não há mais garantias de que os ecossistemas do planeta sustentem as futuras gerações."

O relatório diz que os seis bilhões de habitantes da Terra poluíram ou destruíram dois terços dos ecossistemas dos quais a vida humana depende, entre eles a água, o ar, o solo e os oceanos. Na semana passada, enquanto a ONU propagava seu alarme, o Canadá dava partida ao que deve ser a maior temporada de caça às focas em décadas. Assim como todos os anos, o governo canadense alegou que a população de focas cresceu demais e por isso autorizou a matança de 320 mil animais nos próximos dois meses.

Ritual macabro - Para os pescadores, conter as focas é questão de necessidade. Na visão deles, os animais são os culpados pela falta de peixes na costa canadense. Já não é a primeira vez que o Canadá comete esse erro. Foi por pescar demais bacalhau nas águas do Atlântico Norte que os mesmos canadenses da província de Newfoundland tiveram que controlar os anzóis a partir de 1980. Naquela ocasião, suspendeu-se o cruel massacre das focas. O motivo foi a pressão da sociedade mundial, chocada com as imagens das pancadas desferidas sobre os bichos e as manchas de sangue que tingem o gelo, num ritual macabro.

A temporada de caça também é exemplo do mau aproveitamento dos recursos naturais denunciado pela ONU. O uso intensivo de quaisquer recursos, sejam cardumes de peixes, sejam toras de madeira, produz vantagens de curto prazo, mas tende a promover perdas no longo prazo.

Com exceção dos locais de difícil acesso, o restante do planeta foi significativamente transformado ao longo da história. As mais profundas mudanças foram a conversão de florestas em pastagens, o desvio e o represamento de água e o sumiço de corais e manguezais. A perda na diversidade de plantas e animais é outro sintoma de anomalia. Por força da pressão humana, os ciclos naturais de extinção aceleraram entre 50 e mil vezes em meio século. Em algumas regiões do planeta, de três a cinco em cada dez animais e plantas correm o risco de sumir antes mesmo que se saiba se eles contêm propriedades essenciais para curar as doenças que afligem a humanidade.

ECOSSISTEMA É o complexo sistema de inter-relações entre o ambiente e os seres vivos (plantas, animais, fungos e microorganismos)

O ESTADO DO PLANETA Com o aumento da demanda por comida, água, madeira e combustíveis, nos últimos 50 anos houve mais interferência na natureza do que em qualquer outro período da história

O QUE PIOROU
Desde 1945, mais terra foi convertida para a agricultura do que nos séculos XVIII e XIX juntos. Quase um quarto do planeta é cultivado
Mais da metade dos fertilizantes com nitrogênio foram despejados a partir de 1985 pela indústria e pela agropecuária, o que favorece o crescimento de algas e a morte de outras plantas
Os humanos multiplicaram por mil o ritmo de extinções naturais. Entre 10% e 30% das espécies de mamíferos, aves e anfíbios devem desaparecer neste século
A concentração de dióxido de carbono na atmosfera cresceu 32% de 1750 até hoje. Mais da metade foi lançada após 1959
Mais de um terço (35%) dos manguezais desapareceu. A partir de 1980, 20% dos recifes de corais se perderam e outros 20% foram degradados
Cerca de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso a água potável, enquanto o consumo mundial cresceu 20% por década desde 1960. O volume de água desviada para a irrigação e a indústria dobrou desde 1960.
Pelo menos um quarto dos cardumes marinhos sofre com a pesca excessiva. Só o Canadá teve prejuízo de US$ 2 bilhões porque pescou bacalhau demais

O QUE MELHOROU
Houve aumento substancial na produção das lavouras, da pecuária e da aquicultura. Entre 1960 e 2000, a produção de alimentos cresceu 2,5 vezes, enquanto a população mundial dobrou, de três bilhões para seis bilhões
A partir da metade do século, houve mais iniciativas para controle do clima, como o sequestro de carbono

O QUE PODE ACONTECER SE NADA FOR FEITO:
Aumento na incidência de doenças tropicais, como malária e cólera
Piora na qualidade da água potável
Surgimento de "zonas mortas" ao longo das costas
Colapso no suprimento de peixes
Mudanças climáticas

Isto É, 06/04/2005, Ciência, Tecnologia & Meio Ambiente, p. 44-46

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