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Matadores levantam suspeita contra prefeito

O Globo, O Pais, p.3-4
01 de Mar de 2005

Matadores levantam suspeita contra prefeito
Evandro Éboli
Enviado especial
Cinco dias depois de prestarem depoimento em dois inquéritos, das polícias Civil e Federal, os dois executores da missionária americana Dorothy Stang surpreenderam e, ao falar para uma comissão de senadores, ontem, em Altamira (PA), citaram o nome de mais um suposto envolvido no caso. Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista afirmaram aos parlamentares que o prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho (PTB), poderia estar envolvido no esquema e ajudaria, com recursos financeiros, na fuga dos assassinos.
A afirmação surpreendeu os dois delegados responsáveis pelas investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal, que desconfiaram da versão.
— A mente humana é muito fértil — disse o delegado Waldir Freire, da Polícia Civil.
Nome de prefeito pode entrar em auto complementar
O depoimento contrariou também o delegado Ualame Fialho, da Polícia Federal, que investigou o caso. Visivelmente incomodado, Fialho disse apenas que o suposto envolvimento de Luiz Carvalho será apurado e, se considerar procedente a acusação, poderá incluir o nome do prefeito num auto complementar. Os dois delegados encaminharam ontem os relatórios dos inquéritos para o juiz da Vara de Pacajá (PA), Lucas do Carmo de Jesus, que vai conduzir o processo.
À tarde, em encontro com os senadores, o prefeito negou ter qualquer participação no crime:
— Quem falou isso teve uma verdadeira alucinação — disse.
Rayfran foi quem levantou suspeitas contra o prefeito. O pistoleiro, na semana passada, chegou a dizer, em depoimento à Polícia Civil, que o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco Assis Santos Sousa, o Chiquinho, fora o mandante do crime. Chiquinho foi um dos mais próximos colaboradores de Dorothy Stang. Mas, para a Polícia Federal, ele mudou a versão e negou o envolvimento do sindicalista. Chiquinho, que é filiado ao PT, disputou a Prefeitura de Anapu, em 2004, contra Luiz Reis, que venceu com 2.730 votos, ou 36,2% dos votos válidos. Chiquinho ficou em terceiro lugar, entre quatro concorrentes, e recebeu 1.707 votos (22,6%).
Os senadores fizeram uma acareação entre Rayfran e Clodoaldo, que também acusou o prefeito. Os dois contaram que, depois do crime, reuniram-se com o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, que seria o mandante do assassinato. O prefeito ontem disse conhecer Bida, mas negou ser seu amigo.
Os dois pistoleiros teriam se encontrado numa mata que fica na propriedade de Vitalmiro e este teria lhes assegurado um avião para a fuga e a contratação de um advogado, se fossem presos. Vitalmiro teria pedido, em troca, que não envolvessem seu nome no crime, nem o de Amair Feijoli da Cunha, o Tato, indiciado como um dos mandantes.
Vitalmiro teria dito ainda que o dinheiro para custear as despesas com honorários do advogado seria rateado entre um grupo de interessados na morte da missionária. Segundo os assassinos, Bida citou o nome do prefeito de Anapu como um dos que dariam dinheiro para a contratação do advogado.
Ao sair da delegacia da Polícia Civil de Altamira, a senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA), presidente da comissão, disse que, durante a campanha eleitoral, Luiz Reis teria defendido a saída da irmã Dorothy da cidade. Segundo a senadora, Bida teria dito a Rayfran e Clodoaldo que, como Dorothy era ligada ao PT e ao presidente Lula, seria mais caro soltá-los da cadeia.
— Segundo eles, Bida disse que por R$ 10 mil não contrataria advogado para soltá-los. Para livrá-los da cadeia seria necessário um advogado que custasse entre R$ 50 mil e R$ 100 mil — disse Ana Júlia.
Além da senadora, estiveram na região do assassinato o vice-presidente da comissão, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), o relator, senador Demóstenes Torres (PSDB-GO), e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Os senadores foram também a Anapu, onde se reuniram com líderes locais e colonos que trabalhavam com a freira.
Depoimentos a senadores não têm validade para inquérito
Para os delegados, os depoimentos prestados pelos pistoleiros ontem à Comissão Externa do Senado não têm qualquer validade para o inquérito. Rayfran e Clodoaldo terão que confirmar em depoimento à polícia a acusação de que o prefeito de Anapu estaria envolvido . A comissão, que não tem os poderes de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), tem o caráter de observação, e não de investigação.

PF diz que assassinos de missionária correm risco de vida e pede proteção
Evandro Éboli
Enviado especial
A Polícia Federal recomendou proteção policial para os dois pistoleiros que mataram a missionária americana Dorothy Stang, Rayfran Neves Salles e Clodoaldo Carlos Batista, por achar que, mesmo presos, correm risco de vida. Ao concluir o inquérito, o delegado Ualame Fialho Machado disse que há riscos porque os bandidos denunciaram os mandantes do crime, fazendeiros poderosos na região.
Ressalto a necessidade de ser oferecida proteção aos executores Rayfran e Clodoaldo em função de terem confessado o delito e delatado outros partícipes. E por isso correm riscos”, diz delegado no relatório final.
Fialho afirma que Dorothy era a principal líder do Projeto de Desenvolvimento Sustentável e por isso criou inimizade com fazendeiros da região que se posicionaram contra o projeto”. Para a PF, as investigações não deixaram dúvidas sobre quem são os autores do crime.
O delegado concluiu ainda que não ficou comprovada a tese de consórcio, envolvendo outros fazendeiros e grileiros, para matar a freira. É uma hipótese não confirmada”, escreveu.
Inquéritos das polícias Civil e Federal foram para o juiz
Como no inquérito da Polícia Civil, a PF denunciou os quatro principais envolvidos por homicídio qualificado. Rayfran aparece como autor confesso dos disparos”. O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, é acusado de oferecer abrigo, alimentação e dinheiro para fuga dos executores, além de ser um dos mandantes. O fazendeiro Amair Feijoli da Cunha, o Tato, é apontado como o intermediário. Para o delegado, está claro que o crime ocorreu mediante promessa de recompensa”.
Os inquéritos concluídos pelas polícias Civil e Federal foram enviados ontem ao juiz Lucas do Carmo de Jesus, titular da Vara de Justiça de Pacajá (PA). A PF incluiu em seu inquérito nomes de dois funcionários da fazenda de Bida, que ajudaram na fuga dos pistoleiros.
O juiz, agora, enviará o processo ao Ministério Público Estadual, que pode oferecer denúncia ou pedir novas apurações. A partir daí, estará instaurada a ação penal. O mais provável é que o juiz mande os acusados para a júri popular.
O crime foi considerado hediondo porque teve como agravantes o uso de meio cruel e a promessa de recompensa. Além disso, a freira, emboscada, não teve chance de defesa.

O Globo, 01/03/2005, p. 3-4

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