VOLTAR

Matador pede delação premiada

CB, Brasil, p. 8
22 de Out de 2007

Matador pede delação premiada
Rayfran Sales, condenado a 27 anos de prisão pela morte da religiosa no Pará, em 2005, pede benefício à Justiça para ter pena reduzida. Novas informações devem piorar situação de fazendeiro acusado

Leonel Rocha
Da Equipe do Correio

O agricultor Rayfran Sales, condenado a 27 anos de prisão pelo assassinato da freira americana Dorothy Stang, então com 73 anos, executada em fevereiro de 2005 com seis tiros na zona rural de Anapu, sudeste do Pará, solicitou na semana passada à Justiça o benefício da delação premiada durante o seu segundo julgamento, marcado para começar hoje em Belém. O Ministério Público avalia que a intenção dele é revelar informações envolvendo outras pessoas com o crime. Ao acrescentar novas informações à confissão inicial, Rayfran espera ter a pena reduzida. "As novas confissões de Rayfran podem detalhar a participação do agricultor Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e do fazendeiro Regivaldo Galvão no planejamento do crime", diz o promotor do caso, Edson Cardoso.

Rayfran teve direito a novo julgamento porque sua condenação ultrapassou 20 anos. Ele foi o autor dos disparos que mataram a freira em troca de R$ 50 mil prometidos por Amair Feijoli da Cunha, conhecido como Tato, encarregado de intermediar o crime e condenado a 18 anos de cadeia. O outro envolvido, Clodoaldo Batista, foi condenado a 17 anos. "Só tem sentido pedir o benefício da delação premiada se for para revelar por inteiro a participação do Vitalmiro e do Regivaldo no crime", argumenta o promotor. Vitalmiro foi condenado a 30 anos de cadeia (29 anos inicialmente, mais um pelo agravante de a vítima ter mais de 60 anos), a pena máxima prevista no Código Penal brasileiro, e também terá direito a novo julgamento, marcado para quinta-feira.

A intenção da promotoria é provar o envolvimento direto do fazendeiro Regivaldo Galvão, conhecido como Taradão, na morte da freira. Ele já foi denunciado, mas o seu julgamento ainda não foi marcado. Uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal contra Bida aumenta os indícios de que Regivaldo esteve envolvido no crime. O procurador federal em Altamira, Marco Antônio Delfino de Almeida, acusou Bida por grilagem de terra, falsificação de documentos, falsidade ideológica e trabalho escravo.

Na mesma ação, Regivaldo Galvão assumiu formalmente o pagamento da multa de R$ 5 mil aplicada pelos fiscais do Ministério do Trabalho a Bida pela prática de trabalho escravo na área que vinha sendo disputada com a freira, além das despesas com os pagamentos de salários atrasados e tarifas previdenciárias dos trabalhadores. "Há um elo documental, formal, entre o fazendeiro Regivaldo Galvão e o agricultor Vitalmiro de Moura. Comprovou-se a relação comercial entre os dois, sempre negada por Galvão", disse o procurador Marco Antônio. Até hoje, a ligação de Regivaldo com o crime era frágil, justamente pela ausência de elementos concretos que o ligassem à área e colocassem Bida como uma espécie de testa-de-ferro.

Vínculo
O promotor Edson Cardoso já requisitou cópia da denúncia cível do procurador federal contra Regivaldo Galvão para anexá-la ao processo criminal contra o fazendeiro. A intenção é fortalecer a tese de que o produtor tinha interesse na morte da freira e seria beneficiado com ela. É que Stang lutava para implantar o Programa de Desenvolvimento Social (PDS), uma espécie de assentamento coletivista, na terra disputada e antes ocupada por Regivaldo. No lote em que a freira estava coordenando a implantação de um assentamento de sem-terra, o fazendeiro criava gado.

Na documentação em poder dos procuradores, Regivaldo aparece como o pagador de duas fazendas que formavam o lote 55 (gleba Bacajá), registradas em nome de Valdivino Felipe de Andrade. A área, definida pelo Incra para ser usada na reforma agrária, passou a ser disputada pelos fazendeiros e assentados do PDS.
O número
R$ 50 mil é o valor que Rayfran Sales ganharia pela execução da freira
americana Dorothy Stang

Para saber mais
Uma pedra no sapato

A morte da freira Dorothy Stang interrompeu as denúncias constantes que vinham sendo feitas a várias autoridades sobre a disputa de terras no sudeste do Pará e sobre a ação de grileiros. Mesmo com a morte da colega, outras religiosas ligadas à Comissão Pastoral da Terra (CPT) conseguiram implantar o Programa de Desenvolvimento Social (PDS) Esperança, na zona rural da cidade de Anapu, uma espécie de assentamento coletivista de reforma agrária.

Depois, as religiosas ainda implantaram outro PDS, o Virola Jatobá, na região. Irmã Dorothy era uma pedra no sapato dos fazendeiros da região.

Antes de ser assassinada, a freira tinha planejado outros dois assentamentos coletivistas na região da rodovia Transamazônica. Os projetos ainda não saíram do papel. A CPT diz que as dificuldades de escoamento das safras dos assentados são devidas à falta de estradas adequadas. Cartas escritas por Dorothy Stang ao Incra e aos ministérios do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente e da Justiça mostram que os interesses dos grandes fazendeiros do interior do Pará tinham sido prejudicados por fiscalizações sugeridas por ela. Muitos fazendeiros chegaram a ser multados pelo Ministério do Trabalho pela prática de trabalho escravo. Também foram atingidos por multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) relativas a crimes ambientais apontados pela freira nos últimos anos antes de morrer.

Quem é quem

Rayfran das Neves Sales, o Fogoió
Autor dos seis disparos de revólver calibre 38 que mataram a freira Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, na zona rural da cidade de Anapu, sudeste do Pará. Foi condenado a 27 anos de prisão e será julgado novamente

Clodoaldo Batista
Conhecido como Eduardo, era o parceiro de Rayfran no conflito com a freira e estava presente quando o crime foi praticado. Foi condenado a 17 anos de cadeia

Amair Feijoli da Cunha, o Tato
Foi encarregado de contratar Rayfran Sales e Clodoaldo para executar a freira. Tato era uma espécie de capataz da fazenda disputada por agricultores e posseiros do Projeto de Desenvolvimento Social (PDS), coordenado pela irmã Dorothy Stang. Foi condenado a 18 anos de prisão

Vitalmiro Bastos de Moura
Agricultor condenado a 30 anos de cadeia por ter sido, segundo a Justiça, um dos mandantes da morte da freira. Vai ser julgado novamente na quinta-feira

Regivaldo Pereira Galvão
Fazendeiro acusado pelos promotores do caso de ser o outro mandante do assassinato da religiosa. O julgamento dele ainda não foi marcado porque falta a Justiça definir vários recursos impetrados pelos advogados de defesa. Ministério Público Federal aponta elos documentais entre Galvão e a área em disputa

CB, 22/10/2007, Brasil, p. 8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.