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Mata em pé vale crédito, dizem cientistas

FSP, Ciência, p. A36
Autor: ANGELO, Claudio
17 de Set de 2005

Mata em pé vale crédito, dizem cientistas
Proposta pede que países paguem nações com florestas tropicais para não desmatar, evitando emissões de gás-estufa

Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

Um grupo de pesquisadores apresentou ontem ao governo brasileiro uma proposta ousada para a participação do Terceiro Mundo numa eventual segunda fase do Protocolo de Kyoto. Eles defendem que ações do país para reduzir a taxa de desmatamento na Amazônia sejam compensadas financeiramente pela comunidade internacional, na forma de créditos de carbono.
A idéia é de uma equipe liderada por Márcio Santilli, do ISA (Instituto Socioambiental) e do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), e acaba de ser publicada em forma de artigo no periódico científico "Climatic Change". Nele, Santilli e seus colegas argumentam que combater o desmatamento nas florestas tropicais, como a do Brasil e a da Indonésia, reduziria 25% das emissões de dióxido de carbono que esquentam o planeta. E que agora há mecanismos científicos e tecnológicos para medir com rigor essa redução, tornando a compensação financeira factível.
A idéia de manter a floresta em pé e ainda ganhar dinheiro com isso não é nova: ela foi colocada -e derrotada- nas discussões que regulamentaram o comércio de carbono no acordo de Kyoto, sob o nome de "desmatamento evitado". Contra ela pesavam três fatores principais: um, cercar uma floresta simplesmente não representava nenhum esforço no sentido de reduzir emissões. Não havia, no palavreado dos diplomatas, nenhuma "adicionalidade" nisso. Dois, a quantidade astronômica de carbono liberada em forma de CO2 pelas florestas desmatadas (200 milhões de toneladas ao ano só a Amazônia) provocaria um excesso de oferta da "commodity" que jogaria o preço da tonelada de carbono no chão.
Três, não havia meios de medir com eficiência quanto carbono um ecossistema tão complexo seqüestra nem quanto carbono "vaza" de um projeto de desmatamento evitado (ou seja, a proteção de uma área pode significar o aumento do desmatamento em outra). A proposta de usar o desmatamento evitado no MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) de Kyoto -pelo qual países pobres vendem créditos de redução de emissões aos ricos com metas de redução a cumprir- acabou ganhando o apelido de "chantagem florestal".
Redução compensada
Santilli e seus colegas acham que contornaram o problema reformulando a idéia. O artigo na "Climatic Change" introduz o conceito de "redução compensada", pelo qual os certificados são emitidos não por uma empresa ou ONG, como é o caso no MDL, mas pelo país. Nações com florestas poderiam gerar créditos de carbono caso fizessem suas taxas de desmatamento cair abaixo de um limite, a ser definido.
"Achamos que, no caso do Brasil, uma linha de base razoável seria a taxa de desmatamento dos anos 1980, que é a década anterior às discussões sobre mudança climática", disse à Folha Paulo Moutinho, do Ipam. Ele é co-autor do estudo juntamente com Santilli, Stephan Schwartzman, da Environmental Defense, Daniel Nepstad, do Ipam, Lisa Curran, da Universidade Yale (EUA) e Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Pelo princípio da redução compensada, o país se comprometeria, voluntariamente, a reduzir a taxa de desmatamento durante um período de cinco anos -que é o prazo dado por Kyoto para os cortes nas emissões. Caso a redução fosse observada, o país seria autorizado a emitir certificados de redução e vendê-los para outros países que tivessem metas de corte de emissões de CO2.
Para Moutinho, tecnologias de sensoriamento remoto existentes hoje podem monitorar com precisão a devastação da floresta para calcular a compensação.
O pesquisador do Ipam disse esperar que a proposta seja acolhida na próxima Conferência das Partes da Convenção do Clima, que acontece em novembro no Canadá e deve discutir um regime mundial de redução de emissões em substituição a Kyoto, cuja primeira fase expira em 2012.
Segundo Moutinho, o Brasil teria condições de ganhar até US$ 200 milhões por ano se reduzisse o desmatamento para 5% abaixo da taxa histórica de 20 mil quilômetros quadrados ao ano. "Manter uma floresta em pé é muito caro. Alguém precisa pagar pelo serviço que essa floresta presta de manter a estabilidade climática do planeta", diz o pesquisador.

FSP, 17/09/2005, Ciência, p. A36

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