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Mariri: a celebração da vida nas aldeias

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Juracy Xangai
20 de Nov de 2004

Festa dos índios kaxinawás é um ritual que acontece todos os anos, unindo várias tribos

As 12 aldeias kaxinawás da terra indígena do Alto Purus estão em festa. Enfeitados com os brotos verde e amarelo da jarina, fazem tangas e enfeites de cabeça, nas mãos levam armas ou porretes como se fossem invadir as aldeias vizinhas onde são recebidos ao som da buzina (gegimá) feita de taboca e rabo de tatu-canastra e da flauta de três furos. É o Mariri, festa de celebração da vida que pode acontecer a qualquer época do ano e mais de uma vez por ano de acordo com a vontade das comunidades. Os "festeiros" peregrinam de aldeia em aldeia. De porretes, armas e espingardas à mão, as comunidades recebem os visitantes com simulações de aprisionamento e gritos de comemoração. As festas unem as 12 aldeias kaxinawás que vivem na margem direita do rio Purus, que começam a três dias de batelão acima de Manuel Urbano. "Homens mulheres e crianças participam da grande festa. Ela é na verdade um grande festival onde os artistas de cada aldeia kaxinawá cantam agradecendo pela colheita do amendoim, do milho, da macaxeira, pela sorte nas caçadas e pescarias, pela saúde de nossos filhos e pedimos aos espíritos da natureza que nunca nos falte nada disso", explica o professor Armando Augusto Kaxinawá, 25, pai de três filhos e que na sua língua tem o nome de "Izaká". A festa acontece depois que os mensageiros percorrem as aldeias convidando seus moradores para o Mariri, que pode acontecer com uma única comunidade recebendo os visitantes para celebrar ali sua grande festa, ou como a que está sendo celebrada agora com os grupos de cantores e festeiros passando um dia em cada povoação antes de seguir adiante.

Cara de índio

Sem pressa, índias e índios, adultos e crianças usam os dedos ou palitos para com o sumo do jenipapo pintar uns nos outros os "Kenês", que são desenhos geométricos característicos da cultura Kaxinawá. Depois, uns enfeitam-se com palha de jarina que pendem da cabeça e em tangas rodeando a cintura até os joelhos. Outros ostentam orgulhosos sobre a cabeça cocares feitos com penas da arara vermelha ou a cauda amarela dos japós. Outros levam pendendo até o meio das costas um grande cocar, usado somente nas festas do Mariri e que são feitos com as penas do gavião real. "A gente faz o Mariri toda vez que dá vontade, é muito bom para unir mais a nossa gente e ensinar nossa tradição para os índios mais novos. Essa festa está durando só uma semana, mas antigamente quando havia muita fartura e muito mais aldeias, ela durava um mês todinho", recorda Izaká.

Viver a vida

Numa verdadeira cerimônia de celebração da vida, os festeiros passaram dia 16 pela aldeia Morada Nova, uma das 12 localizadas naquela área. Para recebê-los, os índios dali e de aldeias próximas reuniram-se para caçar. "A gente se dividiu em dois grupos de caçadores, o nosso matou sete queixadas, oito porquinhos e seis macacos-pretos. Juntos os dois grupos mataram 25 animais para a gente comer assado ou cozido durante o dia do Mariri." As mulheres apressam-se à beira dos fogões de barro moqueando peixes na folha da sororoca, cozinhando macaxeira e banana para fazer mingau. Outras moem milho e amendoim que depois de cozidos juntos dão uma saborosa bebida chamada "mabãsh". Assam e cozinham bananas, torram amendoins brancos, pretos, marrons e vermelhos, os quais logo são transformados em paçoca ou comidos inteiros. "Um artista canta de cada vez agradecendo pelo que a gente já tem e aproveitando para pedir mais caça, mais colheita, mais saúde, mais sorte para o nosso povo. O restante dos homens acompanham as musicas e dançam até não agüentar mais, comendo, tomando mingau de banana, mabãsh e caiçuma de macaxeira", explica o professor. A buzina, que funciona como instrumento de maior destaque na festa, é usada no dia-a-dia como alarme para reunir a tribo ou os homens durante as caçadas. A exemplo do arco, é um instrumento masculino. Mova tem evasão zero em aldeia indígena Aprender a ler é um sonho acalentado não apenas pelos milhares de acreanos que vivem pela zona urbana e rural do Estado, mas também pelos índios nas mais isoladas paragens como no caso da Terra Indígena do alto Purus onde se chega após seis dias de viagem de batelão subindo o rio Purus a partir de Sena Madureira. Francilene Oliveira Rodrigues Kaxinawá, 33 anos, mãe de quatro filhos é a professora do Movimento de Alfabetização de Adultos (Mova - Alfa 100) na aldeia Nova Fronteira, a mais antiga das povoações Kaxinawás no Alto Purus. Todos os dias, das duas às cinco horas da tarde ela reúne seus 22 alunos, todos adultos que na infância não tiveram a oportunidade de aprender a ler e escrever. Os homens são minoria, apenas quatro, numa sala com 18 mulheres. "Nesse horário a maioria dos homens estão no roçado, caçando ou pescando", justifica Francilene. "A maioria dos adultos de nossa aldeia não sabem ler nem escrever, por isso estão aproveitando esta oportunidade para aprender. Isso ajuda muito na hora que vão para a cidade irar um documento ou conseguir sua aposentadoria", explica a professora enquanto torra uma panelada de amendoins ao mesmo tempo em que dá de mamar ao filho menor. Ela não esconde sua empolgação pelo interesse que demonstram as mulheres, mas destaca que; "Elas gostam muito de estudar. Acham mais difícil entender algumas palavras que tem no livro, mas que não existem aqui". A turma de alfabetização iniciada em agosto com 22 alunos não teve nenhuma desistência e terá sua primeira fase concluída no final deste mês de novembro e apesar do curto período apresenta bons resultados, conforme avalia Francilene. "A maioria delas aprendeu bem, algumas já lêem, escrevem e formam palavras com bastante facilidade, mas elas tem vontade de aprender mais, gostam de aprender português para conversar com mais facilidade com as pessoas que vem de fora".

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