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Marina Silva : "Fui batizada com fogo"

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Altino Machado
15 de Abr de 2003

Depois de uma ausência do Acre que durou três meses, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi recebida pelo povo como se fosse uma lenda viva da Amazônia. O anfitrião dela, o governador Jorge Viana, viveu um dos poucos dias de sua vida sem o tradicional assédio popular.

A ministra participou ontem, em Rio Branco, de quatro solenidades demoradas durante as quais foi o centro de toda a atenção. Foram centenas de abraços, cumprimentos e autógrafos que geralmente são reservados ao governador nessas ocasiões.

De sua parte, como bom anfitrião, Jorge Viana transitou entre os populares com discrição incomum. Mas já havia feito uma declaração pública, típica dos fãs com os quais está acostumado a lidar. "Os parques e jardins do país são de Marina Silva", afirmou.

Nas quatro ocasiões nas quais teve oportunidade de se manifestar, a ministra Marina Silva conseguiu emocionar os presentes pela sinceridade e clareza das idéias que defendeu.

Quando fez uma pausa para almoçar com empresá-rios e o governador, no Palácio Rio Branco, a ministra não se conteve ao saber que o evento era bastante concorrido.

"Sou do tempo em que, quando a gente convidava os empresários para uma reunião, os únicos que apareciam eram o Abrahim Farhat e o Badate", disse a ministra.

O fato mais relevante decorrente da primeira visita de Marina Silva como ministra foi o anúncio de que o Banco Mundial está disposto a ajudar a gestão dela com o financiamento de um programa para o desenvolvimento da Amazônia.

O prestígio de Marina Silva é tanto, dentro e fora do país, que os presidentes do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento deverão vir ao Acre, em junho, para participar da reunião com a presença de todos os governadores da Região Norte.

Na correria para cumprir uma extensa agenda de compromissos, dentro de um carro, no percurso da Casa dos Povos da Floresta ao Palácio Rio Branco, a ministra atendeu a reportagem do Página 20. A íntegra da entrevista a seguir.

Há quantos dias a senhora está ausente do seringal Bagaço, o local onde nasceu?

Quem costuma fazer essas contas é o senhor Pedro Silva, meu pai. Outro dia ele me apresentou a conta de quantos anos, meses, semanas, dias, minutos e até segundos que fiquei no Senado no primeiro mandato.

É mesmo?

Sim, é verdade. Ele, por exemplo, já fez essa conta parcial em relação à minha presença no Ministério do Meio Ambiente.

Durante uma solenidade hoje [ontem], a senhora fez uma pausa para lembrar que falava sob o olhar rigoroso do seu pai.

Ele é uma boa antena. Acompanha tudo pela televisão e quando tem dúvida telefona para mim para obter explicações, para saber se estou decidindo corretamente.

A senhora sempre deixa bem evidente que seu pai é uma pessoa marcante na sua personalidade.

Ele é forte, marcante e fraterno. Devo meus valores morais a Deus e, em segundo lugar, ao meu pai. Tudo o que sou em termos de ética, moral e compromisso devo ao meu pai.

Está evidente que apenas o seu Pedro deve saber há quanto tempo a senhora está ausente do seringal Bagaço. Mas há três meses a senhora está ausente do Acre. O que mudou nesse período?

Só fiquei tanto tempo assim ausente do Acre quando estive doente. Agora estou diante de uma responsabilidade muito grande. É claro que o mandato já era um mandato que se relacionava com o país inteiro, mas dentro do Congresso. No Executivo é bem diferente, porque é necessário dar respostas muito concretas. Assumi o ministério e fui batizada literalmente com fogo: a discussão sobre transgênicos, o incêndio de Roraima e o desmoronamento em Cataguases. Graças a Deus, somos nós que estamos tomando a iniciativa de resolver o problema do mogno apreendido. No ministério, a gente trabalha com uma agenda negativa para a qual é preciso respostas, mas também estamos trabalhando uma agenda positiva, que ninguém vê muito. Eu não gosto de fazer pirotecnia. Gosto de trabalhar coisas consistentes, para anunciá-las depois.

O que a senhora destaca como inovador dessa agenda positiva?

De inovador, a criação de um sistema nacional integrado de segurança ambiental, que será comandado pelo meu companheiro Marcus Barros, presidente do Ibama, numa parceria com a Polícia Federal. Nós sabemos que não basta ficar combatendo o crime ambiental. A gente correria o risco de ficar correndo sempre atrás do prejuízo se não trabalhasse com a inteligência. Esse programa está com o desenho praticamente pronto. Estamos trabalhando a criação de um sistema integrado de prevenção e combate a riscos ambientais, fazendo o levantamento de todas as situações, como essa de Cataguases. O sistema poderá ser acionado no momento em que houver uma emergência. Além disso, existe a articulação com o Banco Mundial, que manifestou a disposição de ajudar a minha gestão, criando um programa regional para a Amazônia.

Ainda em relação à segurança ambiental, a inteligência popular será usada pelo sistema?

Com certeza. A primeira coisa que pedi é que esse sistema não se limitasse à alta tecnologia aplicada, para que seja utilizado o conhecimento associado das comunidades nas situações de risco. É preciso respostas rápidas quando o sistema for acionado. No caso de Cataguases, por exemplo, a gente sabe que a responsabilidade do licenciamento e da fiscalização é do governo de Minas Gerais. Mas geralmente, quando ocorre um acidente ambiental, fica aquela briga sobre de quem é a responsabilidade.

Como a senhora avalia a presença de uma acreana no Ministério do Meio Ambiente e de um amazonense na presidência Ibama?

Isso é o reconhecimento à contribuição da Amazônia. Mas precisamos lidar com todas as agendas do país: a agenda marrom, que é dos grandes assentamentos urbanos; a agenda verde, que é muito mais identificada com a Amazônia, mas tem uma agenda marrom porque tem metrópoles como Belém e Manaus. Vamos atuar fortemente na agenda azul porque somos uma potência hídrica, apesar de existirem problemas de abastecimento de água em várias regiões do país. Vai ser um Ministério do Meio Ambiente do Brasil operado por quadros da Amazônia e do Rio Grande do Sul. Engraçado que o meu secretário-executivo seja do Rio Grande do Sul. O Acre não consegue se separar do Rio Grande do Sul em lugar nenhum.

Agora vamos retomar aquele aspecto ao qual a senhora se referia sobre o desenvolvimento da Amazônia com o apoio do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Qual o horizonte que se abre para a região com a disposição dessas instituições multilaterais em apoiar a sua gestão?

O horizonte se amplia. Existe uma decisão nossa de que não vamos ficar trabalhando o pontual. Ao longo de mais de 10 anos temos experiências-piloto pulverizadas. Agora, nós queremos transformar essas boas experiências em políticas públicas para a Amazônia em todos os sentidos: infra-estrutura, manejo florestal, agricultura familiar, pecuária, comunidades tradicionais, ações dos governos estaduais e governos locais. Estamos pedindo ao Banco Mundial para que haja uma grande política para a Amazônia, para que os nossos recursos florestais sejam preservados, mas, ao mesmo tempo, a gente possa dar respostas para os 20 milhões de pessoas que vivem aqui.

Existe estimativa de quanto possa custar esse projeto?

O projeto está agora em fase de levantamento. Como se trata de um macroprojeto, que envolve oito governadores, teremos uma primeira reunião de levantamento dessas idéias. Depois disso, os técnicos vão trabalhar especificamente para isso.

A partir do cenário otimista de que a negociação com o Banco Mundial dê certo, em quanto tempo o projeto de desenvolvimento da Amazônia poderá começar a ser executado?

Espero que até o final ano estejamos com o programa pronto, para que possamos trabalhar a sua aprovação, tanto dentro do Banco Mundial quanto dentro do próprio governo brasileiro. O que vai adiantar o nosso serviço é o fato de que já estou trabalhando integrada com os vários ministérios. Não seguimos mais aquela velha lógica segundo a qual um ministro concebe uma idéia e depois vai convencendo os demais. Estamos fazendo o dever de casa juntos: Fazenda, Meio Ambiente, Integração Nacional, Reforma Agrária, Cultura e os governos estaduais. É um projeto de grande monta. Estará de bom tamanho se a gente conseguir formatar o projeto nesse primeiro ano, aprová-lo no segundo ano e começar a trabalhar no terceiro ano.

Então esse programa de desenvolvimento será o tema principal da agenda para o encontro de governadores da Amazônia que acontecerá no Acre possivelmente em junho?

Sim, com certeza. Essa reunião está sendo preparada justamente para isso. Estamos trabalhando duro para que os presidentes dos dois bancos venham aqui e que, dessa maneira, a gente possa iniciar as bases para esse grande projeto, que contempla as ações das agências locais, como Suframa, Agência de Desenvolvimento da Amazônia e do Basa, que agora tem um companheirão lá, o Mâncio Cordeiro. É um projeto arrojado. Espero que tudo dê certo para que as pessoas comecem a entender que, se antigamente havia receio ou medo de apostar na proposta do desenvolvimento sustentável, hoje não precisam mais ter receio ou medo em relação a isso. Aliás, essa é a condição para que a gente possa obter recursos para o desenvolvimento da região.

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