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Às margens do rio Pinheiros

OESP, Suplemento Feminino, p. F8
24 de Abr de 2004

Às margens do rio Pinheiros
Há cerca de 50 anos, os índios pankararus começaram a migrar para São Paulo, em busca de emprego e melhores condições de vida. Hoje, já formam mais de 150 famílias na capital paulista, onde, apesar da miscigenação, batalham para manter suas raízes culturais dentro do perímetro urbano

Fabiana Caso

Sua aldeia de origem fica em Pernambuco, próxima à cidade de Tacaratu, onde vivem hoje cerca de 7 mil índios. O nome significa Brejo dos Padres, pois reza a lenda que a tribo matou um padre há muito tempo. Algumas famílias começaram a migrar para a capital paulista na década de 50, motivadas por relatos de parentes que louvavam as benesses financeiras da selva de pedra.
Ajudou o fato de que muitas de suas terras foram invadidas por posseiros. Os primeiros vieram trabalhar, contraditoriamente, no desmatamento para a construção do estádio do São Paulo. Mas escolheram morar pertinho do então límpido rio Pinheiros, no Morumbi, que, na época, era um matagal só.
Atualmente, a maior concentração de pankararus continua quase no mesmo local, na favela do Real Parque. São cerca de 460 índios, de 150 famílias. O grupo que se reúne para falar com a reportagem no centro cultural indígena é composto por Dimas Joaquim Nascimento Pankararu, representante da tribo e presidente da Ong Ação Cultural Indígena Pankararu; Simone Paulina da Silva, de 26 anos, e Maria Lindinalva de Jesus, de 40 anos. Em seus rostos, está impressa a miscigenação. Isso porque já não existem restrições às uniões com outras raças. O idioma corrente é o português e as roupas também seguem o figurino branco. "A Igreja proibiu a tribo de falar a língua há séculos. Por isso, a perdemos", comenta Dimas.
Segundo relatam eles, por aqui, os homens trabalham como seguranças, porteiros de prédios ou na construção civil; e as mulheres, como empregadas domésticas, babás ou assistentes de limpeza. Um dos maiores problemas do local é a falta de uma creche para deixar as crianças. Há um posto médico da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) na área e uma viatura da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para levá-los ao hospital quando necessário. Dimas reivindica: "Queremos um hospital especial para nós, onde sejamos atendidos diretamente, sem pegar filas. Precisamos de um atendimento diferenciado."
Hoje, eles são beneficiados pelo programa municipal Renda Mínima e os filhos estudam em escolas públicas próximas à favela.
Apesar da perda da língua, os pankararus querem mais espaço para manterem suas tradições vivas. Um exemplo é a dança do Tore, que é apresentada com roupas típicas. Por falta de espaço, hoje, ela é praticada apenas em festas.
Eles também perpetuam o ritual para manifestação do "Encantado", a entidade suprema da tribo. "Só alguns têm o poder de receber o Encantado", explica Dimas. Ele conta como é a preparação que antecede o ritual, realizado na casa de parentes. "A pessoa toma banho com ervas de purificação por sete ou oito dias, não pode ter relações sexuais nem dormir na mesma cama que uma mulher." Nessas cerimônias, as índias devem vestir trajes sociais e não podem usar maquiagem nem perfume.
Dimas fala com orgulho que os pankararus são trabalhadores e que praticamente todos têm TV e som em casa, comprados honestamente. "Tem gente que acha que todos os índios são preguiçosos", diz ele, acrescentando que já enfrentou muito preconceito, recebendo acenos de confirmação das duas mulheres. Elas estão longe da imagem tímida das índias que vivem em aldeias.
Falam com desenvoltura e já seguem o ritmo paulistano.
Simone mora na capital há 12 anos e Maria, há 20. Nenhuma das duas jamais foi ao cinema ou teatro, mas, enquanto a primeira diz (sem ansiedade) que quer ir "antes de morrer", a segunda empolga-se muito mais com a idéia de voltar à aldeia natal em Pernambuco. Em busca da "liberdade" da vida em aldeia, a tribo pretende se mudar para Miracatu, no interior de São Paulo, para terras doadas por um empresário. Segundo Dimas, só falta acertarem alguns detalhes burocráticos.

OESP, 24-25/04/2004, Suplemento Feminino, p. F8.

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