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Marcas do tempo

GM, Fim de Semana, p.1
27 de Ago de 2004

Marcas do Tempo
No livro "Viagens pelo Brasil", publicado entre 1823 e 1831, os cientistas Spix e Martius fazem o primeiro registro ilustrado de um fóssil encontrado em território brasileiro. Na obra, eles descrevem o fóssil de um peixe, encontrado no interior do Ceará, na região da Chapada do Araripe. Os cientistas não visitaram a região, mas obtiveram do então Governador Geral daquela província, tanto a peça que estudaram quanto a informação de que a região, no interior do estado, abrigava uma formação calcária na qual se encontrava inúmeros exemplares semelhantes. Quase dois séculos depois dessa descoberta, o local é considerado um dos mais importantes sítios paleontológicos do mundo, e guarda tesouros de cerca de 145 milhões de anos, que poderão ser vistos pelo público na exposição "Ciências da Terra, Ciências da vida - Chapada do Araripe", aberta ao público na segunda (30).
Esta é a primeira vez que uma mostra tem como tema único a Chapada do Araripe, feita com a participação de instituições da região. Planejada durante cerca de um ano, a exposição tem curadoria geral de Violeta Arraes, presidente da Fundação de Desenvolvimento Sustentável do Araripe, e de Dominique Besse, coordenadora de pesquisas culturais e científicas do Museu Nacional de História Natural de Paris. A exposição conta ainda com a participação do paleontólogo Diógenes de Almeida Campos e do botânico francês Patrick Blanc. Ambos respondem pela curadoria científica da mostra.
Apesar da participação de estrangeiros, o que o público irá encontrar são peças de acervos de instituições brasileiras, fósseis do acervo das seguintes instituições: Fundação de Desenvolvimento Sustentável do Araripe (CE), Museu de Paleontologia de Santana do Cariri (CE), do Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe (Crato/CE), Fundação Francisco de Lima Botelho, Museu Nacional (UFRJ), Museu de Ciências da Terra (RJ), Centro de Cultura Mestre Noza (Juazeiro do Norte) e Casa Grande (Nova Olinda). Algumas destas instituições envolveram-se também na produção de réplicas de dinossauros e pterossauros que viveram na região do Araripe. A exposição apresentará reproduções dos animais, assim como dos esqueletos, montados a partir dos ossos encontrados pelos pesquisadores.
Com o apoio de todas estas instituições, a mostra pretende fazer um paralelo entre passado e presente, atentando não apenas para as questões da evolução natural, mas também para o problema da conservação do patrimônio histórico. Procurada por pesquisadores de todo o mundo, a Chapada do Araripe é uma das mais importantes reservas do mundo do período Cretáceo, ocorrido de 145 milhões a 65 milhões de anos atrás. Para se ter uma idéia, já foram identificadas na área 30 espécies de peixes, das quais 15 estarão na mostra. Para o curador Patrick Blanc, o Araripe possui uma coleção excepcional de plantas com flores, que não se encontra em nenhum outro lugar do mundo. "A exposição visa mostrar a impressionante diversidade das riquezas brasileiras e despertar a consciência de que isto precisa ser preservado", diz Diógenes de Almeida Campos.
Não é gratuito, portanto, o fato de que a exposição se inicia com um corredor de plantas vivas, originárias da Amazônia e da Mata Atlântica, dispostas com uma técnica especial sobre paredes. Neste painel, explica o curador Patrick Blanc, está representada as mudanças da vegetação ao longo do tempo no período Cretáceo. Este processo é exemplificado a partir da exibição de espécies que pertencem a gêneros e famílias com origens muito antigas.
Assim, a mostra tem início com as samambaias, plantas simples, que apesar de terem sofrido modificações ao longo do tempo, são hoje facilmente encontradas. As samambaias são um exemplo de plantas mais primitivas, sem flores, chamadas cientificamente de gimnospermas. Ainda que seja um pouco difícil para leigos perceber, o painel mostra o surgimento das plantas com flores, as angiospermas. Esta aparição, assim como ocorreu na natureza, a princípio se dá de forma discreta, as flores, de coloração verde, podem passar despercebidas.
No segundo ambiente formado por estas paredes vivas, é uma espécie de alegoria da Floresta Nacional do Araripe, uma região preservada que abriga uma grande variedade de espécies. A instalação evidencia como as plantas se desenvolveram, ganhando flores exuberantes, caso das bromélias. Esta seção representa o período que vai do fim do Cretáceo, há 65 milhões de anos, (período no qual desapareceram os dinossauros e houve a diversificação de mamíferos e aves) até o fim Quaternário recente e início do Holoceno (de 30 mil a 8 mil anos atrás). Este limite ainda marca o início das representações rupestres pelo homem, exemplificada em meio aos painéis de plantas por uma reprodução.
A mostra apresenta ainda fósseis de plantas, inclusive uma instalação com troncos do período Cretáceo. Mas a maior parte das peças deste tipo é de animais: peixes, quelônios, insetos, aranhas, escorpiões e rãs. São pedras em excelente estado de preservação, algumas de um tipo de formação preciosa para os cientistas: as tridimensionais, que devido às condições da área preservaram até mesmo os tecidos moles, como pele e músculo. Segundo Diógenes, este tipo de fóssil, raríssimo em todo o mundo, é bastante comum na região. "O Araripe tem a mais notável qualidade de fossilização do mundo", afirma ele.
Um patrimônio extraordinário, que depende de diversas ações para se manter protegido. A exposição deixa claro que não somente ao governo e a instituições de pesquisa e ensino cabe este papel. A população deve ser envolvida, para que não destruam ou comercializem de forma ilegal estas peças. Numa região pobre como a do Araripe, muitos fósseis são vendidos até mesmo por R$ 1. Hoje, entretanto, o cenário começa a mudar. A população conscientizada atualmente entrega seus achados diretamente às instituições de pesquisa da região. Até mesmo as mineradoras costumam colaborar da mesma maneira - ainda que persista o problemas das escavações ilegais.
O povo do Araripe também está presente na exposição, afinal, faz parte deste meio, interagindo com este patrimônio. Seu papel é traduzido pela exibição de peças de artesanato popular que utilizam a história da região como tema de muitas obras.
Para que o visitante compreenda melhor o processo de evolução e a importância da preservação de áreas como a da Chapada do Araripe, a mostra traz mais dois núcleos. Ao fundo do salão, sete estações irão mostrar, com recursos audiovisuais a história da evolução, além de trabalhos que se concentram em previsões para o futuro, anunciando, por exemplo, novas mudanças climáticas. Por fim, haverá o laboratório, um espaço reservado ao estudo, no qual estarão disponíveis além de um histórico sobre pesquisadores e viajantes, materiais de consulta, como computadores, biblioteca, microscópios e televisores.

GM, 27-29/08/2004, p. 1 (Fim de Semana)(Elaine Bittencourt)

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