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Mapa lançará política para o setor até junho

O Globo, Razão Social, p. 14-15
24 de Abr de 2012

Mapa lançará política para o setor até junho

Martha Neiva Moreira
martha.moreira@oglobo.com.br

Há pouco mais de um mês Alexandre Borges dedica-se a encontrar uma solução para as constantes interrupções de fornecimento de matéria-prima para a Mãe Terra, fábrica de alimentos orgânicos do qual é sócio em São Paulo. Os fornecedores de trigo, milho e castanha-do-pará, ingredientes usados na linha de biscoito e salgadinhos, alegam que não dão conta de atender a demanda. Mesmo as remessas que eles conseguem enviar, segundo Borges, não têm a qualidade esperada. Por isso, o empresário está estudando a viabilidade de importar trigo orgânico da Argentina, e, na sede da pequena indústria em Osasco, já destacou um grupo de funcionários para catar os carunchos no milho e selecionar as melhores castanhas.
A Mãe Terra faz parte de um grupo de cerca de 15 pequenas indústrias do ramo de alimentos que, para manter a produção e se consolidar no mercado de orgânicos, driblam a falta de estrutura do setor no país.
- É comum os fornecedores atrasarem as entregas por falta de planejamento da produção e estrutura logística para escoamento dos produtos. Digo sempre que para se conquistar espaço neste mercado como indústria de alimentos é preciso ser criativo e estar preparado para buscar sempre alternativas, pois o setor produtivo de orgânicos ainda é relativamente novo no país e há muitos desafios a enfrentar até que se consolide - disse Alexandre Borges, que é dono da Mãe Terra desde 1997.
O empresário de 38 anos tem razão. Embora o mercado de orgânicos esteja forte - a Mãe Terra é um indicador, pois cresce 30% ao ano com 55 produtos no portfólio - os desafios do setor ainda são grandes. Entre as lacunas, estão a falta de qualificação dos produtores para conseguir planejar a produção, que depende de assistência técnica, ainda deficiente; linhas de crédito vantajosas; e estatísticas que possam subsidiar políticas públicas de estímulo à produção orgânica. Por isso, o governo federal vai tirar do forno até a Rio + 20 a Política Nacional de Agricultura Orgânica e Agroecológica. O decreto que a institui deve ser assinado pela presidenta Dilma Roussef pouco antes da conferência.
Segundo Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a política é multisetorial e tem o objetivo de reunir em um só documento as ações que já são feitas nos diversos órgãos do poder público. Além do Mapa, estão envolvidos na elaboração do documento os ministérios do Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente, Desenvolvimento Social e Esportes.
Para Ming Liu, coordenador do Organics Brasil, espécie de observatório do setor, a política vem em boa hora, pois os desafios são grandes.
Antes concentrada nos estados da Região Sul, a produção de orgânicos hoje já está pulverizada por todos os território nacional. O perfil dos produtores é de pequenos agricultores que vendem in natura seus produtos, normalmente em feiras pois não têm uma estrutura logística eficiente para escoar a produção.
Segundo o Censo Agropecuário do IBGE, de 2006, há no país 90 mil agricultores que declararam não usar agrotóxicos nas lavouras. Do cadastro do Mapa, porém, constam apenas 15 mil. Todos eles com certificado de orgânicos. A razão da defasagem esbarra em uma questão que, segundo Liu, é um dos gargalos da produção orgânica. O processo de formalização dos produtores e, consequentemente, de certificação.
- Para os pequenos produtores estarem no mercado, precisam se formalizar como cooperativas ou associações e ter certificação de orgânicos. Imaginem uma família que até então produzia somente para subsistência tendo que ser auditada pelas certificadoras.
Para eles é um processo novo e bastante complexo. Por isso é necessário que sejam capacitados para aprenderem como se formalizar e certificar sua produção - contou.
Para se ter uma ideia, apenas 52 empreedimentos de agricultura familiar conseguem, segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Agrário, exportar produtos orgânicos. Mesmo assim, de forma irregular, pela falta de qualificação dos produtores.
Segundo Rogério Dias, a nova política vai estabelecer algumas metas que devem ajudar no processo de qualificação dos agricultores e melhorar o planejamento da produção. Uma delas é ampliar o número de núcleos de assistência técnica, que hoje são 26. A meta é chegar a 90 até 2015.
- A ideia é implantá-los nos locais onde há risco de segurança alimentar - contou Dias, que também informou que a política vai prever algumas ações com o Ministério da Educação para formar técnicos especificamente em agricultura orgânica. - Isso é fundamental, pois os profissionais que dão hoje assistência técnica nas Ematers são, geralmente, formados em agricultura convencional. Não há, ainda, uma formação extensiva em agricultura orgânica. Vamos também articular com o MEC que a rede dos Institutos Federais Agrícolas, cujos alunos são normalmente filhos de agricultores, ofereçam a formação em cultivo orgânico. A ideia é incentivá-los a permanecer no cultivo com suas famílias - completou.
Uma outra ação prevista pela política tem a ver com linhas de crédito. Hoje, o pequeno agricultor tem à disposição as linhas do Ministério da Agricultura, especialmente do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf).
A ideia é criar uma linha de crédito específica para agricultores de orgânicos e para aqueles que desejam converter sua produção. As taxas de juros devem ficar em torno de 5%, mas o prazo e condições de pagamento serão mais flexíveis e haverá mais itens financiáveis. Será possível, por exemplo, conseguir financiamento para um grupo de agricultores montar um depósitos de produtos ou pequenos centros de abastecimento ou ainda uma pequena indústria de beneficiamento.
- O Brasil não tem ainda uma rede de centros de abastecimento de orgânicos, como pequenos Ceasas. Eles são vendidos em feiras ou entregues nos mercados, muitas vezes de forma irregular. Os centros são uma alternativa que pode ajudar a reduzir os problemas de escoamento da produção - disse Dias.
Para Ming Liu, a necessidade de qualificar e profissionalizar a cadeia produtiva de orgânicos no país é urgente. Afinal, em menos de dois anos hotéis e restaurantes das 12 cidades sedes da Copa do Mundo terão que oferecer cardápios orgânicos.

ORGANICS BRASIL organicsbrasil.org/

O Globo, 24/04/2012, Razão Social, p. 14-15

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