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Manancial preservado, agricultor recompensado

OESP, Vida, p. H4
06 de Nov de 2008

Manancial preservado, agricultor recompensado
Programa estimula a conservação de rios e nascentes por meio do pagamento aos proprietários de terra

Giovana Girardi

O município de Extrema, no sul de Minas, tem apenas 24 mil habitantes, mas as águas que nascem e correm pela cidade ajudam a formar um sistema que vai abastecer mais de 8 milhões de pessoas a pouco mais de 100 quilômetros dali, na Grande São Paulo.

O Sistema Cantareira é um dos maiores do mundo e compensa a deficiência hídrica da capital paulista ocasionada em parte pela poluição das Represas Billings e Guarapiranga. Sua boa qualidade vem sendo garantida pelo fato de parte de suas nascentes e corpos d'água estar inserida em áreas com remanescentes de mata atlântica. Mas isso é cada vez mais ameaçado por mudanças no uso e na ocupação do solo.

Nesse movimento, proprietários rurais que têm manancial em suas terras - caso dos moradores de Extrema -, e os mantêm preservados, prestam de graça um enorme serviço ambiental para quem se beneficia na outra ponta da torneira.

É a presença da mata que, entre outras coisas, favorece a absorção da água da chuva nos lençóis subterrâneos e impede o assoreamento dos rios. Sem ela, o gado pode pisotear a terra em torno de minas d'água, impedindo que elas voltem a se encher após um período de seca.

Foi para evitar que isso ocorra - e a quantidade e a qualidade da água que passa pela cidade mineira acabe prejudicada - que a prefeitura decidiu pagar para preservar. Em uma das primeiras iniciativas brasileiras de pagamento por serviços ambientais, agricultores estão, desde o começo do ano passado, recebendo uma verba do município por protegerem as nascentes e cursos d'água existentes em suas propriedades.

A lei prevê que proprietários rurais que queiram participar do projeto abram mão de ter alguma atividade agrícola nos trechos de suas terras onde haja alguma fonte hídrica para que elas possam ser preservadas ou recuperadas. Em compensação, eles recebem R$ 159 por hectare da sua propriedade por ano, valor dividido em parcelas mensais. Como o valor total está vinculado ao tamanho da terra, alguns chegam a receber mais de R$ 1 mil por mês.

"Se o dono da terra fosse arrendar a área que está sendo cercada para alguém colocar pasto, ele receberia em torno de R$ 120 por hectare ao ano. É menos do que pagamos", afirma o biólogo Paulo Henrique Pereira, diretor do Departamento de Meio Ambiente de Extrema.

CERCAR, PLANTAR E SANEAR

O projeto, apelidado de Conservador das Águas, está, na prática, pagando para que a lei ambiental seja cumprida. O Código Florestal estabelece que nascentes, mananciais e matas ciliares são áreas de proteção permanente (APP), ou seja, onde a vegetação original não pode ser removida. E, se fosse, teria de ser recuperada.

"A verdade é que só o modelo clássico de comando e controle para fazer cumprir a lei não tem trazido resultados", explica Pereira. "Na nossa realidade vimos que o agricultor sozinho não faria isso. Ele não tem renda para investir em conservação, então decidimos fazer isso e pagar para aqueles que acabam agindo como verdadeiros guardiães da água", afirma.

Por enquanto, o programa está sendo implementado somente na Bacia das Posses, mas a expectativa é que alcance, ao longo dos próximos anos, todas as sub-bacias do município. Posses é a mais degradada - ao longo dos anos teve quase toda a sua cobertura vegetal substituída por pastagens.

Desde o começado dos trabalhos, em março de 2007, as APPs já foram cercadas e se iniciou o plantio de árvores nativas e a recuperação da mata ciliar. A segunda etapa do trabalho, também já em andamento, é a de conservação do solo, que prevê, por exemplo, a criação das chamadas barraginhas, uma espécie de minipiscina nos morros para evitar a erosão com a descida da chuva. A última etapa será de saneamento ambiental, com a construção de fossas sépticas e coleta de lixo. "O plano é fazer a adequação ambiental das propriedades rurais do município", comenta Pereira.

Até o momento, já foram cercados 200 hectares em 40 propriedades, cerca de 17% da área da Bacia das Posses. Mais 50 ha ainda devem ser incluídos na região. Só nessa bacia a prefeitura deve investir R$ 1,2 milhão.

Como o projeto tem pouco mais de um ano, ainda não foi feito nenhum balanço sobre as eventuais melhorias que ele possa ter promovido, mas os moradores envolvidos dizem já notar algumas diferenças. Teresinha de Moraes Oliveira, proprietária, com o marido Benedito de Oliveira, de um dos terrenos já cercados, conta que percebeu o aumento do volume de água em uma das minas de sua terra, que tinha fluxo esporádico, alternando cheia e seca.

"Depois da última seca, ela parecia que não ia mais ter água, mas, um mês depois de ser cercada, eu vi que tinha voltado", diz. Os dois lembram que há 50 anos, antes do avanço da pecuária sobre a mata, a água era muito mais abundante. "Dava até para pescar bagre, hoje só aparece sapo no brejo e mais nada", afirma Benedito.

O projeto de Extrema é uma parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA) e a ONG The Nature Conservancy. É da ANA a idéia original de pagamento. Seu programa, proposto em 2002, é o Produtor de Águas, que prevê um incentivo financeiro para quem conserva o solo. "É mais barato pagar por isso antes do que ter de investir em captação e tratamento da água depois", afirma Oscar de Moraes Cordeiro Netto, diretor da ANA.

OESP, 06/11/2008, Vida, p. H4

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