Mal comecado

MAL COMEÇADO

A confusão que está armada em torno do projeto que regulamenta a comercialização de organismos geneticamente modificados (OGMs ou transgênicos) é um claro exemplo do quanto é nociva a política dos panos quentes. O governo apresentou um projeto que contentou a ministra Marina Silva e os ambientalistas mas calculando que seus aliados o modificassem no Congresso ao ser votado.O presidente ficaria bem com todos e a culpa das mudanças seria atribuída ao Congresso. A compressa deu resultado passageiro, a dor agora é mais forte.No fim do ano passado, quando teve que engolir a contragosto a medida provisória que liberou o plantio de soja transgênica por agricultores que já tinham a terra preparada e a semente estocada, a ministra esteve a um passo de pedir demissão. Jorge Viana, governador do Acre, seu aliado, entrou em campo e fez ver a quem manda o tamanho do desgaste que o governo sofreria. Contornou-se a crise negociando com ela os termos do projeto que regulamenta a pesquisa e a comercialização dos OGMs. Garantiu-se, por exemplo, a seu ministério mais os da Saúde, Agricultura e do Desenvolvimento Agrário a palavra final sobre a pesquisa de novos OGMs, depois de avaliados pela CNTBio quanto à segurança genética.Mas viu-se logo que as posições defendidas pelos ministros Gushiken e Roberto Rodrigues e por outros pragmáticos” do governo não haviam sido arquivadas. Na Câmara, o então líder do governo, Aldo Rebelo, não confiou a nenhum aliado a relatoria da matéria, indicou-se para tarefa. Fez modificações importantes no original, destacando a que deixou inteiramente a cargo da CNTBio a liberação de pesquisa de novos organismos em campo. Vale dizer, com plantio e colheita. Não importa quem tenha razão, a condução política do assunto foi ruim. Aldo agora é ministro da Articulação Política, seu parecer está sob feroz ataque de ambientalistas e enfrenta a oposição de Marina e outros. Aldo é uma pessoa séria, diz seu sucessor Miro Teixeira, não tirou seu parecer das nuvens. Fez uma mediação e deve ter recebido o sinal verde do Planalto. O novo relator, Renildo Calheiros, tem nas mãos um OGM espinhoso, mistura talvez de pepino com abacaxi. Ou Marina ou Aldo, um sairá chamuscado.De um lado, diz-se que a CNTBio não tem a prerrogativa para avaliar impactos sobre o meio ambiente ou a saúde humana. Isso é com os respectivos ministérios, o negócio da CNTBio é segurança genética. É o que dizem os próprios cientistas da SBPC. De outro lado, acusam-se os ministérios, e principalmente o Ibama, de morosidade na apreciação de qualquer projeto. Busca-se uma solução até terça-feira. José Serra, vendo a angústia de um amigo governista com o assunto, disse o que faria: criaria uma agência reguladora independente do governo.

O Globo, 31/01/2004, p. 2