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Mais um capítulo sangrento da saga Guarani-Kaiowá

CartaCapital (São Paulo - SP) - www.cartacapital.com.br
Autor: Marcelo Pellegrini
03 de Set de 2015

O Ministério da Justiça, com o apoio da Força Nacional de Segurança, conseguiu acalmar o clima de confronto entre indígenas e fazendeiros que culminou na morte do indígena Semião Fernandes Vilhalva, de 24 anos, no município de Antônio João, a 402 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Semião foi morto quando tentava buscar seu filho de 4 anos, em meio conflito, mas antes de encontrá-lo foi atingido por um tiro no rosto, que saiu na nuca, segundo o jornal Campo Grande News.

Na quarta-feira 2, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, alcançou um acordo com as lideranças indígenas que garante a posse das terras aos índios e prevê a indenização dos fazendeiros locais, apesar da resistência de muitos em deixar suas fazendas. No entanto, não há prazo para o acordo se tornar realidade e nem para as tropas da Força Nacional de Segurança saírem do local.

Semião Vilhalva pertencia à etnia Guarani-Kaiowá, grupo que ganhou a atenção da opinião pública em 2012. Naquele ano, indígenas de outra comunidade Guarani-Kaiowá emitiram uma declaração de "morte coletiva" de 170 homens, mulheres e crianças após receberem uma ordem de despejo decretada pela Justiça de Naviraí (MS).

A liminar foi rapidamente suspensa pela Justiça Federal e a comoção pública em favor desta população tradicional brasileira se dispersou. No entanto, outros problemas dos Guarani-Kaiowá - que viviam no Mato Grosso do Sul até serem expulsos de suas terras nos anos 1940 e 50 - seguem há anos sem resposta.

No município de Antônio João, os Guarani-Kaiowá tiveram a homologação de suas terras em 2005, mas ainda não têm o direito de usufruir de sua área tradicional. Com um processo de disputa da terra parado na Justiça Federal desde 2005, centenas de índios estiveram confinados em menos de 150 hectares, dos 9.317 que foram homologados. O restante da área foi dividida em nove fazendas, em posse de latinfundiários do estado.

As consequências deste confinamento têm reflexos na saúde. Relatórios da Fundação Nacional de Saúde Indígena (Funasa) do início dos anos 2000 revelam um alto grau de desnutrição entre crianças e adultos da comunidade. Em 2003, por exemplo, a Funasa encontrou um quadro de desnutrição grave em 27,5% das crianças entre zero e cinco anos.

Além da fome, a indefinição sobre a posse da terra manteve os índios vulneráveis a conflitos. Em dezembro de 2005, o índio Dorvalino Rocha foi assassinado com um tiro à queima-roupa, em seu acampamento. Segundo informações do Conselho Missionário Indígena (Cimi), o tiro teria sido dado por seguranças contratados por fazendeiros da região.

No ano seguinte, duas crianças Guarani-Kaiowá - Celiandra Peralta, de um ano e um mês, e Osvaldo Barbosa, de 15 dias - morreram por causas relacionadas às péssimas condições de vida do acampamento às margens da rodovia MS-384. Em 2007, Hilário Fernandes, liderança religiosa da aldeia "Campestre", foi atropelado às margens da rodovia.

Desde então, diversas reuniões com autoridades do governo federal e do Supremo Tribunal Federal (STF) foram feitas. Nenhuma teve resultado.

Diante da omissão e letargia do governo federal e do Judiciário, os índios ocuparam as fazendas em agosto deste ano. No contra-ataque dos fazendeiros, Semião foi morto a tiros, motos foram incendiadas e o clima de tensão tomou conta da cidade. "Muitas pessoas da comunidade foram espancadas durante o confronto e duas pessoas foram parar no hospital por causa dos ferimentos e dos tiros de balas de borracha", relata a professora indígena Inaiê.

Após a reunião com o Ministério da Justiça, ficou estabelecida a criação de uma comissão para iniciar os processos de indenização e a permanência das tropas da Força Nacional até que o clima no município se tranquilize.

Segundo o Cimi, o confronto em Antônio João é mais um exemplo da saga Guarani-Kaiowá pelo reconhecimento de suas terras, cujos processos estão engavetados no Ministério da Justiça ou na Justiça Federal. Para a entidade, a falta de agilidade e de pró-atividade do governo federal contribui para os agravamentos dos conflitos.

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