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Mais três aldeias atacadas na Raposa-Serra do Sol, em Roraima

ISA - NSA
Autor: Oswaldo Braga de Souza
26 de Nov de 2004

O saldo é de 131 pessoas desabrigadas, quatro aldeias destruídas, um índio ferido gravemente e outro desaparecido.

Na tarde de terça-feira, 23 de novembro, o ataque a mais três aldeias - Homologação, Brilho do Sol e Lilás -, na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR), veio se somar à destruição promovida na manhã do mesmo dia contra a aldeia Jawari. O índio Jocivaldo Constantino Macuxi foi espancado e baleado, mas está fora de perigo em um hospital de Boa Vista. Nelson da Silva Macuxi está desaparecido. Sua bolsa e seus documentos foram encontrados junto a uma poça de sangue.

Ao todo, 34 casas foram destruídas - queimadas ou derrubadas por tratores - e 131 pessoas estão desabrigadas na região. Um posto da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e alguns criatórios de animais também foram demolidos. Roupas, redes, mantimentos e plantações foram consumidos pelo fogo e vários animais de criação abatidos. Até agora, ninguém foi preso.

Segundo o Conselho Indigenista de Roraima (CIR), os ataques foram promovidos por cerca de 40 pessoas armadas, entre elas vários índios ligados a produtores de arroz. O grupo teria sido comandado por três grandes fazendeiros da região contrários à homologação da Terra Indígena em área contínua.

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados foi contatada pelo CIR e comprometeu-se a ir até a região. Na quarta-feira feira pela manhã, o diretor regional da Polícia Federal, Osmar Tavares, o secretário estadual de Segurança Pública de Roraima, João Fagundes, o administrador regional da Funai, Benedito Rangel, e o secretário estadual do Índio, Adriano Nascimento, visitaram a área e reuniram-se com alguns grupos de índios para avaliar a situação. De acordo com o jornal Folha de Boa Vista, Fagundes teria dito que "passar tratores e destruir casas não vai apressar nenhuma decisão". Ele teria garantido ainda que a PF iria apurar todos os fatos e responsabilizar os culpados. Os índios exigiram o ressarcimento pelas benfeitorias destruídas.

Tensão se arrasta há anos

O CIR avalia que novos confrontos podem acontecer se policiais não vigiarem a área. Durante o ataque a Jauari, os invasores teriam ameaçado invadir outras aldeias, como Pedra Branca. As nove ocupações ilegais de terra feitas por produtores rurais na região ficam muito próximas às comunidades indígenas.

"O clima ainda é muito tenso, as pessoas continuam e continuarão no mesmo lugar, muitas estão ao relento", informa Marinaldo Justino Macuxi, coordenador regional do CIR. Ele afirma que as comunidades vizinhas estão enviando alimentos às aldeias destruídas e já começaram a reconstruir as casas em regime de mutirão. Várias pessoas também estão se dirigindo aos locais invadidos para garantir a segurança dos parentes.

"Já havíamos alertado o governo, a Funai e o Judiciário há muito tempo sobre o perigo da demora da homologação. Isso poderia ter sido evitado!", critica Júlio Macuxi, da comunidade de Maturuca, secretário Jurídico do CIR. Ele lembra que, no início deste ano, alguns grupos contrários à homologação em área contínua fecharam várias estradas no estado e chegaram a seqüestrar três padres missionários. Os protestos geraram uma crise política em Roraima divulgada nacionalmente. "Até agora, ninguém foi processado ou preso". Júlio afirma que o governo trata índios e brancos de forma desigual. "Somos vítimas de preconceito e, quando há produtores rurais envolvidos, a polícia é muito mais cautelosa, eles só nos apresentam limitações e dificuldades", diz. E reclama que, como havia testemunhas nos últimos ataques, os invasores poderiam ter sido presos em flagrante, mas nada foi feito.

Caso virou batalha judicial

As aldeias atingidas na terça-feira estão em algumas das áreas que foram objeto de pedidos de reintegração de posse de fazendeiros da região em face da demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu todos as decisões e os processos relativos à TI, incluindo os três pedidos de reintegração, o que garantiu às comunidades o direito de permanecer onde estão até a decisão final do tribunal.

As ações possessórias e seus recursos no Tribunal Regional Federal também foram avocados pelo STF, que não tem previsão para julgar a questão. As medidas liminares favoráveis aos produtores rurais haviam sido concedidas pelo juiz Hélder Girão Barreto, da 1ª Vara Federal de Roraima. (Para saber mais, clique aqui)

Em novembro de 2002, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou o mandado impetrado pelo governo de Roraima em 1999 contra a demarcação da Raposa-Serra do Sol. Durante o julgamento, o advogado do ISA, André Lima, representou duas comunidades indígenas da Raposa-Serra do Sol - Machado e Jauari. (Saiba mais)

Alguns fazendeiros estavam se aproveitando da situação de indefinição produzida pela batalha jurídica para avançar cercas e ampliar suas posses originais, acirrando os ânimos na área. "Estão tentando derrubar na marra, uma decisão do órgão máximo do Judiciário brasileiro", critica o advogado do ISA, Raul Telles do Vale.

Demarcação foi confirmada em 1998

A TI Raposa-Serra do Sol teve sua delimitação confirmada pela portaria 820/98 do Ministério da Justiça e aguarda apenas um decreto do presidente Lula para ter sua homologação efetivada. O governo federal ainda não assinou a medida por pressão de grandes fazendeiros, de políticos e do governo estadual. Alguns grupos de índios têm sido cooptados pelos produtores rurais para se colocarem contra a homologação em área contínua, reivindicação histórica da maior parte das comunidades indígenas da região.

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