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Mais lenha na fogueira do caos no clima

O Globo, Ciência, p. 28
06 de Mar de 2013

Mais lenha na fogueira do caos no clima
Estudos relacionam seca na África e calor na Austrália a emissões de carbono

Duilo Victor
duilo.victor@oglobo.com.br

Os recordes de calor neste verão na Austrália e a seca devastadora que atingiu o leste da África em 2011 seriam apenas mais dois dos vários extremos climáticos já registrados se não fosse por uma constatação em comum: em ambos os casos os cientistas atribuíram a ação humana diretamente à causa dos dois fenômenos.
Céticos dos efeitos da ação humana sobre o clima argumentam que a parcela da comunidade científica que alerta para as ações do homem usa apenas probabilidade e não certeza de em seus diagnósticos. Mas, desta vez, climatologistas britânicos do Centro Meteorológico Hadley desenvolveram um modelo de cálculo computacional para simular hipóteses para a seca na África, que literalmente matou de fome cerca de 50 mil pessoas. Ora calcularam as precipitações como se a interferência do homem sobre a natureza não existisse, ora com os níveis de carbono atuais da atmosfera.
La ninã também contribuiu
Foram duas as conclusões. Primeiro, livraram a Humanidade da culpa sobre a seca extrema no período de estiagem. Na verdade, explicam os pesquisadores, o que houve foi uma ação da La Niña, que esfria as águas do Pacífico e nada tem a ver com a vontade dos homens. Mas foi na época de chuvas que a interferência humana foi determinante, segundo o estudo. Não fosse pelo aumento de emissões de gases do efeito estufa, não haveria tal estiagem também na época de precipitações.
Enquanto os cientistas britânicos avançam em suas conclusões, na Austrália, o tórrido verão deste ano produziu oito dos 21 dias mais quentes em 102 anos de medições de temperatura no país. Ontem, a Comissão de Clima do governo Australiano anunciou sem meias palavras que a atividade humana foi a culpada.
- Estatisticamente, há uma chance em 500 de que estejamos tratando de variações naturais como causa de todos esses recordes - afirmou Will Steffen, diretor do Instituto de Mudanças Climáticas na Universidade Nacional da Austrália e chefe do estudo.
O ambientalista Sérgio Besserman Vianna, presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável e de Governança Metropolitana, diz que a evolução tecnológica dos modelos já permite tais afirmações, as quais não estavam na mesa de negociações diplomáticas, pois o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas mais recente só considera os estudos feitos até o fim de 2006.
- Tivemos sete anos a mais de pesquisa, mas não foram anos quaisquer. Há mais dinheiro e melhores equipamentos que permitem responder o que sempre falávamos em termos probabilísticos - conclui Besserman. - A ciência se sofisticou a ponto de fazer afirmações sobre eventos singulares, como o verão australiano.
Mas Besserman não acredita que apenas as evidências científicas sejam suficientes para sensibilizar governantes. Tem que haver pressão popular.
- Os chefes de estado ou os diplomatas não se movem pela racionalidade, mas pela política. A informação científica ajuda na mobilização popular, no avanço da consciência. Por sua vez, José Marengo, integrante do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, faz ponderações sobre os dois estudos:
- Os estudos começam a aparecer, mas um ou outro trabalho não produzem consenso. Não quero dizer que as causas humanas são um segundo fator, mas que não sabemos exatamente o grau certo de atribuição da interferência do homem no clima.

O Globo, 06/03/2013, Ciência, p. 28

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